Há poucos anos, um bispo francês veio ao Brasil em busca de sacerdotes, já que em sua pátria o número deles diminuía a cada dia. A iniciativa era também uma forma de retribuir pelo que os missionários europeus haviam feito no passado, evangelizando a América. Agora, eram os brasileiros que partiam para “converter” a Europa.
Um Instituto religioso acolheu o convite e enviou para lá alguns de seus membros. No dia em que tomaram posse da paróquia indicada pelo bispo, a surpresa foi amarga: a igreja estava vazia! Ninguém apareceu para lhes dar as boas vindas! Somente no final da missa, uma senhora entrou no templo e disse aos religiosos: «Vocês chegaram tarde demais! Aqui não há mais cristãos!».
Como se recorda, a França foi conhecida como a filha primogênita da Igreja, por ter sido o primeiro Estado católico do mundo. De fato, na noite de Natal de 496, o rei Clóvis, acompanhado de uma multidão de nobres e soldados, recebeu o batismo, administrado por São Remígio, que lhe disse na ocasião: «Curva a tua cabeça: adora o que queimaste e queima o que adoraste!»
O que terá acontecido para tamanha transformação num país onde o catolicismo era a religião do Estado até a Revolução de 1789? E por que o cristianismo está sendo paulatinamente substituído pelo islamismo? E ainda: por que as próprias denominações pentecostais, tão aguerridas na América Latina, pouco ou nada conseguem na Europa (já que a descristianização não é privilégio da França)?
As respostas são inúmeras, diversificadas e até mesmo contraditórias, dependendo da ideologia de cada historiador ou sociólogo, de acordo, aliás, com a sentença dos antigos romanos: “Tantas são as sentenças quantas as cabeças!”
Uma delas foi dada por um meu antigo colega de sacerdócio, no Rio Grande do Sul. Há vários anos, estávamos viajando pela Europa e, em toda a parte, descobríamos um progresso jamais imaginado (naquela época!) no interior do Estado onde residíamos. Contudo, junto com o desenvolvimento econômico, social e tecnológico mais acentuado, nos deparávamos com o indiferentismo, a apatia e a perda da maior parte dos valores humanos que sustentam a pessoa e a sociedade. O contacto com essa desoladora realidade levou o meu amigo a afirmar: «Ao voltar para o Brasil, vou rever os meus conceitos de evangelização, pois percebo que o progresso econômico e científico faz mais mal do que bem se não for acompanhado pelo cultivo espiritual!»
Lembrei-me de tudo isso ao conferir o texto do Evangelho de João, que a liturgia preparou para o 4º domingo da quaresma de 2011 (Jo 4,1-42), cujo título poderia ser: “Jesus sacia a fome e a sede do homem”.
A uma mulher samaritana que buscava a felicidade numa relação afetiva e sexual superficial – já convivera com cinco homens e agora estava com o sexto –, Jesus responde: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é que te diz “Dá-me de beber”, tu é que lhe pedirias, e ele te daria uma água viva!».
“Água viva”, porque, infelizmente, existe também “água morta”, que não só não sacia, mas é fonte de perdição para quem a bebe. Era o que lembrava o profeta Jeremias: «Ao pecarmos contra o Senhor, acabamos bebendo água envenenada» (Jr 8,14).
Continuando seu diálogo com a samaritana, Jesus avança um pouco mais e apresenta a rocha sobre a qual se deve alicerçar a religião para que não seja abatida pelas tempestades da vida e, sobretudo, da pós-modernidade: «Vós adorais o que não conheceis. Mas vem a hora – e é agora – em que os verdadeiros adoradores buscarão o Pai em espírito e verdade. Estes são os adoradores que o Pai procura. Deus é Espírito, e os que o adoram, devem fazê-lo em espírito e verdade!»
A única crença religiosa que o futuro garante será para quem se deixa guiar pelo Espírito e pela Verdade, onde os interesses e as necessidades de maior ou menor valia do ser humano estejam a serviço de sua realização eterna, como lembra Jesus no mesmo Evangelho: «Vós me procurais porque comestes e ficastes satisfeitos. Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que dura para a vida eterna!» (Jo 6,26-27).
A afirmação de Tertuliano, se era válida para os primeiros anos da Igreja, é mais atual ainda no século XXI: «Ninguém nasce cristão; só o é quem se converte!».
Fonte: Dom Redovino Rizzardo, cs
Bispo de Dourados - MS
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