A América Latina é um continente de grande esperança, onde a Igreja é referência com a doutrina social, apesar de forças que querem desacreditá-la. Esta é uma das reflexões do cardeal Oscar Andrés Rodríguez Maradiaga, arcebispo de Tegucigalpa, Honduras, e presidente da Caritas Internationalis, que conversou com ZENIT no congresso sobre os 50 anos da Mater et Magistra, encerrado em Roma neste dia 18.
- Quais são as preocupações e esperanças da Igreja na América Latina?
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Há uma grande esperança, porque a Igreja continua sendo uma razão para esperar. O bonito do nosso povo é que, apesar da pobreza, das dificuldades, das lutas, ele nunca perde a esperança. E não é um simples otimismo, porque o otimismo pode nascer de uma condição psicossomática, até; é esperança mesmo, baseada na fé, teologal, que está na medula dos nossos países.
- A Igreja é sempre uma referência importante na América Latina?
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Continua sendo, apesar de forças poderosas que gostariam de desacreditá-la. E uma das razões é o compromisso da Igreja com a doutrina social.
Em geral, outras opções religiosas são muito verticalistas, e por isso elas não são um problema para quem quer governar com injustiça. Já a Igreja Católica tem uma voz consistente. Só examinando o magistério dos últimos cinquenta anos, a partir da conferência do Rio em 1955, e depois Medellín, Puebla, Santo Domingo e Aparecida, você vê uma consistência e uma linha no magistério social, que é muito comprometida e muito incômoda para certos poderes constituídos.
Então eles procuram desacreditá-la. Claro que eles se serviram de algumas coisas, como os escândalos de pedofilia, principalmente nos Estados Unidos. Mas existe um fenômeno bem particular. No nosso continente isso não desacreditou a voz do magistério, porque existe um compromisso com os pobres, e o pobre percebe, mesmo que ele não reflita sobre aquilo.
- Um compromisso que não é política, mas doutrina social católica?
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Exatamente, porque são tantas mudanças que precisam acontecer, e a Igreja tem sido consistente em tentar conscientizar o povo de que é preciso mudar.
- Neste congresso, qual é a esperança quanto a esta análise?
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Os participantes, que são muitos e de todos os continentes, estão diretamente envolvidos na doutrina social da Igreja, no estudo dela, e para colocá-la em prática. Eu acho que todos eles vão ser multiplicadores da mensagem do congresso.
- Caíram muitas ideologias, muros... Talvez a mensagem da doutrina social católica possa conseguir alguma vantagem, porque certos segmentos gostariam de relacioná-la com ideologias políticas, algumas das quais nem existem mais...
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Eu acho que isso é muito importante. É claro que nós também temos que fazer um exame de consciência. A meu ver, não tivemos uma evangelização suficiente dos políticos e da política. Por isso algumas mudanças demoram mais, já ficou bem claro que a nossa doutrina social não é nenhuma ideologia, porque as ideologias passam, caem, e aparecem outras. A Igreja quer contribuir e ao mesmo tempo questionar as ambiguidades das ideologias.
- O ponto central da doutrina social da igreja é a dignidade humana. Qual é a relação entre pobreza e dignidade da pessoa humana?
Cardeal Rodríguez Maradiaga: Eu diria que a pobreza é uma situação injusta que não permite que os seres humanos vivam de acordo com a dignidade de filhos de Deus. Então a pobreza é um mal que nós temos que erradicar. Veja os famosos “objetivos do milênio”, das Nações Unidas. Às vezes a pobreza é usada para tudo, e eu acho que, infelizmente, esse objetivo pelo menos foi uma palavra vazia, porque eu não vi grandes esforços para reduzir a pobreza pela metade, seriamente, até 2015.
- Alguns aproveitam a luta contra a pobreza para defender ideologias, mas não levam em conta a dignidade da pessoa humana.
Cardeal Rodríguez Maradiaga: É verdade, é justamente o que eles não consideram. E o centro da doutrina social da Igreja é a dignidade da pessoa humana, que nasce do fato de que nós somos filhos de Deus. Se nós pensarmos no ideal da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade, fraternidade, você veja só: um sistema quis a liberdade sem a igualdade, que é o capitalismo; outro sistema quis igualdade, mas sem liberdade: o comunismo; e a fraternidade não foi lembrada por nenhum deles. Porque a fraternidade só pode existir quando nós reconhecemos que somos filhos do mesmo Deus. E, portanto, temos um mesmo Pai, e é por isso que nós somos irmãos. Sem a dimensão transcendente, o humanismo fica empobrecido e reduzido a uma ideologia.
Fonte: Zenit.
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