Construção de minas terrestres sofisticadas, elaboração de armas bacteriológicas letais, ameaças nucleares: faz 20 anos que o muro de Berlim caiu, mas os Estados voltam a se armar de forma massiva até o ponto de registrar, no ano de 2008, um gasto com armamento de cerca de 1,46 bilhão de dólares, o que corresponde a 2,4% do produto bruto mundial.
Tommaso Di Ruzza, oficial do Conselho Pontíficio “Justiça e Paz”, explica, por meio de ZENIT, a postura da Santa Sé diante deste fenômeno, e conta através de uma análise sobre a Doutrina Social da Igreja no contexto do desarmamento.
–O SIPRI, Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo, estimou para 2008 um aumento do gasto em armamento dos Estados de 4% respectivo a 2007, e de 45% se considerarmos o período entre 1999-2009. Uma verdadeira corrida de rearmamento, sem considerar os conflitos urbanos, que assistimos em nossas cidades. Uma violência cotidiana graças ao fácil acesso as armas no mercado negro. Ante isso, qual é a perspectiva da Igreja?
–Di Ruzza: A Doutrina Social da Igreja coloca o desarmamento no âmbito moral da responsabilidade humana. O desarmamento, portanto, não interessa somente aos Estados, mas sim, como questão de natureza ética e espiritual, afeta a mentalidade e os costumes de cada uma das pessoas e povos. Nesse sentido, ecoa sempre o ensinamento de João XXIII, que na Carta encíclica Pacem in terris: “A detenção do armamento com objetivos bélicos, sua redução efetiva, e com maior razão, sua eliminação, são quase impossíveis, se ao mesmo tempo não se fizer um desarme integral; isto é, se não desarmar também os espíritos, trabalhando sinceramente para dissolver, neles, a psicose bélica”.
–Esse ponto de vista faz do desarmamento integral um verdadeiro e próprio pressuposto para o desarme dos Estados.
–Di Ruzza: Exatamente. O desarme dos espíritos - o que não coloca em segundo plano o desarme dos Estados - oferece um contexto mais amplo, de natureza ética e espiritual, no qual pode ter lugar a redução e eliminação dos armamentos. Sem o desarmamento dos corações o desarmamento dos Estados seria impraticável ou somente se reduziria a estratégia. Em outras palavras, o desarmamento integral tem como horizonte teórico e de sentido o humanismo cristão e, portanto, o objetivo do desenvolvimento humano integral. O desarmamento não é portanto um fim isolado, e sim um meio, ou a eliminação de um impedimento ao desenvolvimento material, moral e espiritual de cada pessoa e povo, objetivo final da Doutrina Social da Igreja.
Também recentemente Bento XVI, em carta ao cardeal Renato Raffaele Martino, reafirmou que “não se pode conceber uma paz autêntica e duradoura sem o desenvolvimento de cada pessoa e população [...]. Nem se pode pensar em uma redução dos armamentos sem antes não eliminar a violência pela raiz. A guerra, como toda forma malígna, encontra sua origem no coração do homem.
–Na mensagem para o 40° aniversário da ONU, de 18 de outubro de 1985, João Paulo II propôs a meta de um “desarmamento geral, equilibrado e controlado” dos Estados.
–Di Ruzza: Com estas palavras o pontífice indicou uma meta a ser alcançada com urgência, e ao mesmo tempo com juízo e gradualidade. Compreende-se de fato o alcance dos adjetivos “equilibrado” e “controlado”: a alternativa seria a entrega imediata da vítima nas mãos do carrasco. Isso requer um grande equilíbrio entre o espírito profético e a prudência, que os Padres do Concílio Vaticano II expressaram na Constituição pastoral Gaudium et spes: “A guerra infelizmente não foi extraída da condição humana. E enquanto existir o perigo de guerra não terá uma autoridade internacional competente e capacitada com forças eficazes, uma vez esgotadas todas as possibilidades de entendimento pacífico, não se poderá negar aos governos o direito a uma legítima defesa”. A meta é de um mundo sem armas, mas isso só é possível em um mundo sem ameaças de guerra.
–Uma postura desse tipo não poderia ser indicadora de um pensamento fraco?
–Di Ruzza: Pelo contrário, se baseia mais na aceitação da fragilidade da condição humana: “Enquanto os homens são pecadores - prosegue a Gaudium et spes - têm sobre eles a ameaça de guerra”. Por isso se faz necessária uma autoridade pública na defesa da justiça e da paz. E como disse São Paulo, “esta leva a espada não em vão”.
–Permanece a questão central sobre o desarmamento: o fim da defesa justifica qualquer meio?
–Di Ruzza: Certamente não. O direito à legítima defesa não pode estar, antes de tudo, sujeito a interpretações equivocadas no plano político ou militar. Existe além disso limites intrísecos, o primeiro dos quais está enraizado na inviolabilidade e dignidade da pessoa humana, princípio permanente da Doutrina Social da Igreja. Também no quadro do direito internacional, por exemplo, a violação do ius ad bellum (isto é, das normas sobre o recurso à força armada) por parte de quem se defende. Não é possível cometer um crime de guerra como resposta a um crime contra a paz. Um princípio adicional limita mais precisamente a posse e o uso das armas: o princípio de suficiência, “em base ao qual - declara o Conselho Pontíficio Justiça e Paz em O comércio internacional de armas. Uma reflexão ética - cada Estado pode possuir unicamente as armas necessárias para garantir a própria e legítima defesa. Esse princípio se opõe ao acúmulo excessivo de armas ou a sua transferência indiscriminada”. A suficiência deve ser entendida no sentido quantitativo e qualitativo.
–O princípio de suficiência proibiria então tanto o acúmulo excessivo das armas convencionais, como o acúmulo e o uso, ainda que seja mínimo, de armas indiscriminadas ou de destruição massiva.
–Di Ruzza: Exato. Não resulta coerente com o princípio de suficiência o acúmulo excessivo de armas convencionais, desde as armas pesadas até as mais leves e de pequeno calibre, e também as chamadas não letais, concebidas para inabilitar o agressor ou criminoso, mas que concretamente são capazes de matar. Pensemos na crise do teatro Dubrovka de Moscou em 2004, onde reféns civis foram assassinados por forças especiais que intervieram com armas químicas não letais, ou nos casos de morte por taser, difusores de descargas elétricas que muitas corporações policiais estão utilizando no mundo todo. Não é coerente com o princípio de suficiência à posse e ao uso de armas de efeitos indiscriminados, incapazes de diferenciar entre civis e combatentes, como as minas terrestres ou as bombas de fragmentação. Com maior razão, não é coerente com o princípio de suficiência à posse, ao uso e à própria ameaça do uso de armas de destruição em massa, como acontece com com a doutrina da dissuasão nuclear. Como se pode defender uma sociedade com armas capazes de eliminar ela mesma? A defesa teria a capacidade ou o efeito trágico e paradoxal de provocar um dano maior do que o realmente sofrido, ou simplesmente temido.
–Para esquematizar, qual é a Doutrina Social da Igreja no âmbito do desarmamento?
–Di Ruzza: A Igreja oferece uma visão integral do desarmamento à luz de seus princípios permanentes e no horizonte do desenvolvimento humano integral. Isso apresenta desafios em diferentes níveis. O desarmamento é antes de tudo um desafio ético e espiritual. A referência essencial é de fato a pessoa humana em todos os níveis de convivência, do particular ao global.
Certamente, existe uma diversidade de papéis e responsabilidades, mas todos estamos envolvidos no desarmamento, chamados a desarmar os corações e abraçar o que Paulo VI chamava de “as verdadeiras armas da paz”.
O desarmamento é também um desafio educativo, que requer um empenho e uma aliança pedagógica entre a família e as pessoas que trabalham na formação, sobretudo os de inspiração cristã. Existe também um desafio econômico: de fato, uma fatia relevante do produto mundial bruto deriva da indústria e do comércio do setor militar. Um fator induz a uma reflexão crítica: enorme recursos se destinam aos armamentos e não ao desenvolvimento. Uma responsabilidade que pesa sobre todos os Estados, tanto os desenvolvidos como os que estão em vias de desenvolvimento, que impõe sacrifícios enormes aos seus povos a fim de ganhar poder e prestígio no plano militar. Na carta encíclica Caritas in Veritate, não por acaso Bento XVI convida a humanidade a implementar um novo modelo de desenvolvimento, afirmando que a crise pode ser também “uma ocasião de discernimento e de novos projetos”.
Finalmente, e não por último, o desarmamento é um desafio diplomático para a comunidade internacional, tendo em mente que inclui tanto o Estado quanto os atores estatais como não estatais, cada vez mais envolvidos nos chamados conflitos assimétricos.
–A propósito do desafio diplomático, desde alguns anos se está afirmando uma espécie de “nova diplomacia” no setor de desarmamento e do controle dos armamentos. O senhor pode nos explicar qual é o papel das organizações não governamentais no setor do desarmamento?
–Di Ruzza: No contexto das Nações Unidas, frequentemente as negociações são bloqueadas pela resistência de países particularmente influentes. Isso levou a ativar negociações fora da ONU com resultados surpreendentes. Essa nova diplomacia foi favorecida pela participação ativa das organizações não governamentais, muito preciosa por ser voz da sociedade civil. No processo de Oslo, por exemplo, ao redor de trezentas ONGs reunidas na Cluster Munition Coalition proporcionaram relatórios de natureza técnica e humanitária aos delegados dos Estados favorecendo a adoção da Convenção sobre as bombas de fragmentação. Um modelo de atividade diplomática, este, que mostra os reais efeitos da Doutrina Social da Igreja, e a grande validez do princípio da subsidiariedade, porque o desarmamento não interessa somente aos Estados e aos canais clássicos da diplomacia.
Esse modelo deveria motivar muito as ONGs, em particular as de inspiração cristã. Pensemos no papel que poderiam ter as grandes organizações como Pax Christi ou Cáritas, ou mesmo as Comissões nacionais Ilustitia et Pax e as Conferências episcopais.
Pensemos na Carta pastoral sobre guerra e paz na era nuclear, publicada pelos bispos dos Estados Unidos em 1983, que ofereceu uma notável contribuição ao debate sobre as armas nucleares em plena Guerra Fria. Ou também na grande campanha pública contra a renovação do sistema nuclear Trident da Grã-Bretanha, animada pela Conferência Episcopal da Escócia, Inglaterra e Gales em 2007.
–Na perspectiva do jogo abrangente do desarmamento entra a inteligência humana. Isto é, o direcionamento da investigação tecnológica e científica.
–Di Ruzza: A questão segue ligada à liberdade e à inteligência humana. Sobre o que se pesquisa? Sobre o desenvolvimento ou simplesmente o poder? Além dos imperativos de tipo ético, ou os instrumentos jurídicos setorialistas, poder-se-iam otimizar algumas normas já presentes na legislação internacional geral.
Por exemplo, os TRIPS (os acordos internacionais sobre aspectos comerciais ligados aos direitos de propriedade intelectual), preveem a possiblidade de que os Estados proibam a legislação sobre patentes cujo aproveitamento ameace a ordem pública ou a saúde e a vida humana. Isso poderia ser útil para prevenir a própria patente de armas indiscriminadas ou de destruição em massa. Tudo, em suma, reconduz à mentalidade humana. Mudando essa situação podem alterar os sistemas, as instituições, as formas de convivência. Erasmo de Rotterdam, em um pequeno volume de 1517, escrevia: “Comecei a desejar que pelo menos iria encontrar um lugar no coração de um homem só. Mas nem sequer isso me foi concedido. O homem luta consigo mesmo, a razão faz a guerra aos sentimentos, e os próprios sentimentos estão em conflito entre eles”.
Na perspectiva da Doutrina Social da Igreja, ainda sendo conscientes da complexidade das variáveis políticas, econômicas, militares, estratégicas, segue firme a centralidade da pessoa humana. Esse ponto de vista converte o desarmamento em um desafio mais comprometido, porque está ligado à cura dos corações. Certamente mais coerente com a perspectiva do desenvolvimento humano integral e do bem comum.
Tommaso Di Ruzza, oficial do Conselho Pontíficio “Justiça e Paz”, explica, por meio de ZENIT, a postura da Santa Sé diante deste fenômeno, e conta através de uma análise sobre a Doutrina Social da Igreja no contexto do desarmamento.
–O SIPRI, Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo, estimou para 2008 um aumento do gasto em armamento dos Estados de 4% respectivo a 2007, e de 45% se considerarmos o período entre 1999-2009. Uma verdadeira corrida de rearmamento, sem considerar os conflitos urbanos, que assistimos em nossas cidades. Uma violência cotidiana graças ao fácil acesso as armas no mercado negro. Ante isso, qual é a perspectiva da Igreja?
–Di Ruzza: A Doutrina Social da Igreja coloca o desarmamento no âmbito moral da responsabilidade humana. O desarmamento, portanto, não interessa somente aos Estados, mas sim, como questão de natureza ética e espiritual, afeta a mentalidade e os costumes de cada uma das pessoas e povos. Nesse sentido, ecoa sempre o ensinamento de João XXIII, que na Carta encíclica Pacem in terris: “A detenção do armamento com objetivos bélicos, sua redução efetiva, e com maior razão, sua eliminação, são quase impossíveis, se ao mesmo tempo não se fizer um desarme integral; isto é, se não desarmar também os espíritos, trabalhando sinceramente para dissolver, neles, a psicose bélica”.
–Esse ponto de vista faz do desarmamento integral um verdadeiro e próprio pressuposto para o desarme dos Estados.
–Di Ruzza: Exatamente. O desarme dos espíritos - o que não coloca em segundo plano o desarme dos Estados - oferece um contexto mais amplo, de natureza ética e espiritual, no qual pode ter lugar a redução e eliminação dos armamentos. Sem o desarmamento dos corações o desarmamento dos Estados seria impraticável ou somente se reduziria a estratégia. Em outras palavras, o desarmamento integral tem como horizonte teórico e de sentido o humanismo cristão e, portanto, o objetivo do desenvolvimento humano integral. O desarmamento não é portanto um fim isolado, e sim um meio, ou a eliminação de um impedimento ao desenvolvimento material, moral e espiritual de cada pessoa e povo, objetivo final da Doutrina Social da Igreja.
Também recentemente Bento XVI, em carta ao cardeal Renato Raffaele Martino, reafirmou que “não se pode conceber uma paz autêntica e duradoura sem o desenvolvimento de cada pessoa e população [...]. Nem se pode pensar em uma redução dos armamentos sem antes não eliminar a violência pela raiz. A guerra, como toda forma malígna, encontra sua origem no coração do homem.
–Na mensagem para o 40° aniversário da ONU, de 18 de outubro de 1985, João Paulo II propôs a meta de um “desarmamento geral, equilibrado e controlado” dos Estados.
–Di Ruzza: Com estas palavras o pontífice indicou uma meta a ser alcançada com urgência, e ao mesmo tempo com juízo e gradualidade. Compreende-se de fato o alcance dos adjetivos “equilibrado” e “controlado”: a alternativa seria a entrega imediata da vítima nas mãos do carrasco. Isso requer um grande equilíbrio entre o espírito profético e a prudência, que os Padres do Concílio Vaticano II expressaram na Constituição pastoral Gaudium et spes: “A guerra infelizmente não foi extraída da condição humana. E enquanto existir o perigo de guerra não terá uma autoridade internacional competente e capacitada com forças eficazes, uma vez esgotadas todas as possibilidades de entendimento pacífico, não se poderá negar aos governos o direito a uma legítima defesa”. A meta é de um mundo sem armas, mas isso só é possível em um mundo sem ameaças de guerra.
–Uma postura desse tipo não poderia ser indicadora de um pensamento fraco?
–Di Ruzza: Pelo contrário, se baseia mais na aceitação da fragilidade da condição humana: “Enquanto os homens são pecadores - prosegue a Gaudium et spes - têm sobre eles a ameaça de guerra”. Por isso se faz necessária uma autoridade pública na defesa da justiça e da paz. E como disse São Paulo, “esta leva a espada não em vão”.
–Permanece a questão central sobre o desarmamento: o fim da defesa justifica qualquer meio?
–Di Ruzza: Certamente não. O direito à legítima defesa não pode estar, antes de tudo, sujeito a interpretações equivocadas no plano político ou militar. Existe além disso limites intrísecos, o primeiro dos quais está enraizado na inviolabilidade e dignidade da pessoa humana, princípio permanente da Doutrina Social da Igreja. Também no quadro do direito internacional, por exemplo, a violação do ius ad bellum (isto é, das normas sobre o recurso à força armada) por parte de quem se defende. Não é possível cometer um crime de guerra como resposta a um crime contra a paz. Um princípio adicional limita mais precisamente a posse e o uso das armas: o princípio de suficiência, “em base ao qual - declara o Conselho Pontíficio Justiça e Paz em O comércio internacional de armas. Uma reflexão ética - cada Estado pode possuir unicamente as armas necessárias para garantir a própria e legítima defesa. Esse princípio se opõe ao acúmulo excessivo de armas ou a sua transferência indiscriminada”. A suficiência deve ser entendida no sentido quantitativo e qualitativo.
–O princípio de suficiência proibiria então tanto o acúmulo excessivo das armas convencionais, como o acúmulo e o uso, ainda que seja mínimo, de armas indiscriminadas ou de destruição massiva.
–Di Ruzza: Exato. Não resulta coerente com o princípio de suficiência o acúmulo excessivo de armas convencionais, desde as armas pesadas até as mais leves e de pequeno calibre, e também as chamadas não letais, concebidas para inabilitar o agressor ou criminoso, mas que concretamente são capazes de matar. Pensemos na crise do teatro Dubrovka de Moscou em 2004, onde reféns civis foram assassinados por forças especiais que intervieram com armas químicas não letais, ou nos casos de morte por taser, difusores de descargas elétricas que muitas corporações policiais estão utilizando no mundo todo. Não é coerente com o princípio de suficiência à posse e ao uso de armas de efeitos indiscriminados, incapazes de diferenciar entre civis e combatentes, como as minas terrestres ou as bombas de fragmentação. Com maior razão, não é coerente com o princípio de suficiência à posse, ao uso e à própria ameaça do uso de armas de destruição em massa, como acontece com com a doutrina da dissuasão nuclear. Como se pode defender uma sociedade com armas capazes de eliminar ela mesma? A defesa teria a capacidade ou o efeito trágico e paradoxal de provocar um dano maior do que o realmente sofrido, ou simplesmente temido.
–Para esquematizar, qual é a Doutrina Social da Igreja no âmbito do desarmamento?
–Di Ruzza: A Igreja oferece uma visão integral do desarmamento à luz de seus princípios permanentes e no horizonte do desenvolvimento humano integral. Isso apresenta desafios em diferentes níveis. O desarmamento é antes de tudo um desafio ético e espiritual. A referência essencial é de fato a pessoa humana em todos os níveis de convivência, do particular ao global.
Certamente, existe uma diversidade de papéis e responsabilidades, mas todos estamos envolvidos no desarmamento, chamados a desarmar os corações e abraçar o que Paulo VI chamava de “as verdadeiras armas da paz”.
O desarmamento é também um desafio educativo, que requer um empenho e uma aliança pedagógica entre a família e as pessoas que trabalham na formação, sobretudo os de inspiração cristã. Existe também um desafio econômico: de fato, uma fatia relevante do produto mundial bruto deriva da indústria e do comércio do setor militar. Um fator induz a uma reflexão crítica: enorme recursos se destinam aos armamentos e não ao desenvolvimento. Uma responsabilidade que pesa sobre todos os Estados, tanto os desenvolvidos como os que estão em vias de desenvolvimento, que impõe sacrifícios enormes aos seus povos a fim de ganhar poder e prestígio no plano militar. Na carta encíclica Caritas in Veritate, não por acaso Bento XVI convida a humanidade a implementar um novo modelo de desenvolvimento, afirmando que a crise pode ser também “uma ocasião de discernimento e de novos projetos”.
Finalmente, e não por último, o desarmamento é um desafio diplomático para a comunidade internacional, tendo em mente que inclui tanto o Estado quanto os atores estatais como não estatais, cada vez mais envolvidos nos chamados conflitos assimétricos.
–A propósito do desafio diplomático, desde alguns anos se está afirmando uma espécie de “nova diplomacia” no setor de desarmamento e do controle dos armamentos. O senhor pode nos explicar qual é o papel das organizações não governamentais no setor do desarmamento?
–Di Ruzza: No contexto das Nações Unidas, frequentemente as negociações são bloqueadas pela resistência de países particularmente influentes. Isso levou a ativar negociações fora da ONU com resultados surpreendentes. Essa nova diplomacia foi favorecida pela participação ativa das organizações não governamentais, muito preciosa por ser voz da sociedade civil. No processo de Oslo, por exemplo, ao redor de trezentas ONGs reunidas na Cluster Munition Coalition proporcionaram relatórios de natureza técnica e humanitária aos delegados dos Estados favorecendo a adoção da Convenção sobre as bombas de fragmentação. Um modelo de atividade diplomática, este, que mostra os reais efeitos da Doutrina Social da Igreja, e a grande validez do princípio da subsidiariedade, porque o desarmamento não interessa somente aos Estados e aos canais clássicos da diplomacia.
Esse modelo deveria motivar muito as ONGs, em particular as de inspiração cristã. Pensemos no papel que poderiam ter as grandes organizações como Pax Christi ou Cáritas, ou mesmo as Comissões nacionais Ilustitia et Pax e as Conferências episcopais.
Pensemos na Carta pastoral sobre guerra e paz na era nuclear, publicada pelos bispos dos Estados Unidos em 1983, que ofereceu uma notável contribuição ao debate sobre as armas nucleares em plena Guerra Fria. Ou também na grande campanha pública contra a renovação do sistema nuclear Trident da Grã-Bretanha, animada pela Conferência Episcopal da Escócia, Inglaterra e Gales em 2007.
–Na perspectiva do jogo abrangente do desarmamento entra a inteligência humana. Isto é, o direcionamento da investigação tecnológica e científica.
–Di Ruzza: A questão segue ligada à liberdade e à inteligência humana. Sobre o que se pesquisa? Sobre o desenvolvimento ou simplesmente o poder? Além dos imperativos de tipo ético, ou os instrumentos jurídicos setorialistas, poder-se-iam otimizar algumas normas já presentes na legislação internacional geral.
Por exemplo, os TRIPS (os acordos internacionais sobre aspectos comerciais ligados aos direitos de propriedade intelectual), preveem a possiblidade de que os Estados proibam a legislação sobre patentes cujo aproveitamento ameace a ordem pública ou a saúde e a vida humana. Isso poderia ser útil para prevenir a própria patente de armas indiscriminadas ou de destruição em massa. Tudo, em suma, reconduz à mentalidade humana. Mudando essa situação podem alterar os sistemas, as instituições, as formas de convivência. Erasmo de Rotterdam, em um pequeno volume de 1517, escrevia: “Comecei a desejar que pelo menos iria encontrar um lugar no coração de um homem só. Mas nem sequer isso me foi concedido. O homem luta consigo mesmo, a razão faz a guerra aos sentimentos, e os próprios sentimentos estão em conflito entre eles”.
Na perspectiva da Doutrina Social da Igreja, ainda sendo conscientes da complexidade das variáveis políticas, econômicas, militares, estratégicas, segue firme a centralidade da pessoa humana. Esse ponto de vista converte o desarmamento em um desafio mais comprometido, porque está ligado à cura dos corações. Certamente mais coerente com a perspectiva do desenvolvimento humano integral e do bem comum.
Fonte: Zenit.
Nenhum comentário:
Postar um comentário