Quatro meses depois da 2ª Assembleia Especial para a África, do Sínodo dos Bispos, realizada em Roma em outubro de 2009, Aimable Musoni – salesiano ruandês que participou do encontro em qualidade de especialista – compartilha com a Zenit um balanço das conquistas sociais alcançadas no continente nos últimos quinze anos, graças ao catolicismo.
Consultor da Congregação para as causas dos Santos e da Congregação para a Doutrina da Fé, Musoni explica também os próximos passos para concretizar as conclusões às quais os padres sinodais chegaram.
-Comecemos pelo tema do sínodo, realizado no último mês de outubro: “A Igreja na África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz”.
Musoni: É um tema muito atual e que envolve todos, desde os pastores até o último dos fiéis.
Em particular, os padres sinodais falaram da vida consagrada, porque se espera muito do seu testemunho e da sua função profética, para não renunciar nem perder os valores cristãos em todas estas circunstâncias de extrema pressão que atingem o continente, como as guerras, a pobreza, as doenças e a fome.
Outro tema foi a necessidade de reconciliação: só reconciliados com Deus podemos nos reconciliar entre nós e ser testemunhas da reconciliação na sociedade.
Um aspecto sobre o qual também se chamou a atenção foi o dos políticos católicos, para que atuem na sociedade e pela sociedade, guiados por uma coerência cristã, que facilite também a boa convivência.
-Apesar de alguns progressos conseguidos no âmbito sociopolítico, econômico e cultural, continua sendo difícil saber como os resultados do sínodo encontram ou encontraram uma aplicação real na África.
Musoni: Sim, é difícil calcular os resultados de forma precisa. De qualquer maneira, com relação a 1994, ano do 1º sínodo, registrou-se um crescimento notável do catolicismo no continente, cujos membros passaram de 102 milhões (equivalentes a 14,6% da população africana) a 164 milhões (17,5%).
Igualmente, aumentaram os consagrados, missionários leigos, catequistas e seminaristas, assim como as estruturas eclesiásticas para a evangelização, os hospitais, escolas, seminários e rádios locais (estas últimas passaram de 15 a 163).
-Se os dados falam de um crescimento dos católicos, o diálogo ecumênico e inter-religioso ainda continua sendo um desafio delicado frente à proliferação das seitas, que continuam fascinando...
Musoni: O Evangelho não chegou a todos os lugares e, onde não há católicos, as chamadas “religiões tradicionais africanas” criaram comunidades eclesiais indígenas com uma fisionomia de seitas: já não cristãos em sentido próprio, mas tampouco pagãos.
Experiências sincretistas evidenciam dois significados: em primeiro lugar, mostram como o africano é religioso de forma incurável; em segundo lugar, destaca por que as pessoas se afastam das igrejas oficiais, nas quais se corre o risco do anonimato por causa de suas grandes dimensões, que não favorecem o contato pessoal.
Mas os católicos já estão respondendo, com o nascimento de movimentos juvenis e comunidades eclesiais de base, consideradas “pequenas comunidades cristãs”, nas quais se encontram para rezar, compartilhar informações e tomar iniciativas comuns para ajudar os que passam necessidade.
-Parece, então, que existe uma distância inicial entre a Igreja e os africanos...
Musoni: Eu diria que é um problema que pode se apresentar em qualquer lugar. Mas, de qualquer maneira, é verdade, sim. Na África às vezes houve essa falta de atenção por parte dos missionários, em sua maioria ocidentais, que no começo suspeitavam demais da cultura africana, às vezes afirmando que não existia, de fato, uma cultura.
Isso levou a criar uma espécie de tabula rasa, na tentativa de “arrancar o diabo destes pobres que cresceram nas trevas”, como diziam os missionários entre 1500-1800.
Da evangelização se chegou à teologia da adaptação, buscando nexos com a cultura africana. O próximo passo foi a inculturação, para ir ao encontro da herança cultural africana, para que esta oferecesse um próprio canal interpretativo do catolicismo e assim, por exemplo, produziu-se a introdução da dança na liturgia.
Hoje, o africano pode expressar seu ser na Igreja, também através do corpo. A inculturação, nesse sentido, ajudou a purificar os valores africanos para assumi-los como veículo do cristianismo.
-Em algumas culturas africanas, a castidade e a pobreza não são valores, enquanto a riqueza sim, como sinal de bênção dos deuses; a esterilidade – atribuída somente à mulher – legitima o divórcio, enquanto morrer sem deixar descendência é sinal de maldição. Que consequências tem para a sociedade enfatizar esse tipo de família?
Musoni: Os cristãos, particularmente os religiosos africanos, vivem certa tensão com relação aos valores e tradições culturais do seu país.
Por exemplo: nossa concepção da vida tem um valor antropológico amplo, segundo o qual ela é entendida como “continuidade”; para o africano, a transmissão da vida através dos filhos significa também a continuação da vida de quem já não está; e não poder fazê-lo é como permanecer à margem da sociedade. Na Ruanda, por exemplo, morrer sem casar-se ou ter filhos significa praticamente desaparecer.
Mas também nesta concepção africana da vida existe um sentido religioso, porque o antepassado recebeu a vida de Deus e a transmitiu. Mas há apêndices negativos porque, para reforçar a própria vida, no Congo, por exemplo, é legítimo tirar a dos outros.
O mesmo vale para a poligamia, vista como um reforço da família: ter tantos filhos significa ter força de trabalho e força defensiva nas guerras tribais e, neste sentido, o casamento é uma aliança com as famílias das esposas.
É uma visão complexa, que frequentemente põe em perigo o reconhecimento da excelência e do valor da vida cristã e/ou consagrada.
-Precisamente com relação aos religiosos, o sínodo recomendou um atento discernimento dos candidatos à vida consagrada, enquanto para os institutos internacionais presentes na África, os padres sinodais pediram que a formação inicial – postulantado e noviciado – seja realizada na África. Por que esta petição?
Musoni: Pessoalmente, penso que os religiosos devem aprender a lidar com a natural dimensão afetiva na castidade, entendida como celibato e virgindade, dirigindo o sentimento da paternidade/maternidade, que para os africanos é particularmente forte, por outro caminho, sendo “pais” e “mães” na tarefa de educar o povo de Deus.
Para que não haja um choque, é preciso converter-se de verdade, mas em terra africana, onde se pode provar realmente a convicção da vida religiosa e encarregar-se, portanto, das responsabilidades derivadas da escolha vocacional livremente assumida.
Ter de adaptar-se a uma cultura nova, que é a europeia, e ao mesmo tempo ter de amadurecer a própria escolha vocacional não ajuda, de fato, a fazer no próprio interior uma síntese harmônica.
-No Instrumentum laboris está escrito que as consagradas contribuem para revelar mais certa dimensão de Deus, mediante seu gênio feminino de doçura, ternura e disponibilidade. De que maneira a mulher realiza esta função privilegiada? E como poderia contribuir mais para a missão evangelizadora?
Musoni: São as mulheres que levam a família adiante na África, assim como a educação. Esta é uma função importante, que a Igreja também deve reconhecer. Elas já estão presentes nas paróquias e nas comunidades eclesiais de base: trata-se de reconhecer oficialmente esta função, valorizando-a.
E, indo mais longe, será possível contribuir, dessa forma, no reconhecimento e na proteção da dignidade da mulher na cultura africana em geral. Por exemplo, a poligamia certamente não honra a mulher, pelo menos na visão cristã.
Com relação à exploração, é conhecida a função subordinada das esposas na organização familiar, que pode ser substituída, no entanto, por uma colaboração que, ainda que não seja paritária, pelo menos respeite as capacidades pessoais.
A Igreja, segundo o desejo dos padres sinodais, dando à mulher as responsabilidades também nos órgãos de decisão, poderia oferecer o melhor exemplo.
Fonte: Zenit.