A opinião do Papa é importante para os fiéis católicos da mesma forma como importa para quem não é católico, afirma o embaixador da Lituânia na Santa Sé. E o papel do Vaticano para o diálogo entre as civilizações e culturas é apreciado no mundo inteiro, acrescenta ele.
Vytautas Ališauskas fez estas declarações a ZENIT em entrevista realizada por ocasião do 20º aniversário da Lituânia como estado independente após a ocupação soviética, que durou de 1945 a 1991.
O embaixador relembrou o papel do Vaticano neste reconhecimento e reflete sobre a sua atual posição na Santa Sé.
Apesar da ocupação soviética, que foi de 1940 a 1990, as relações diplomáticas nunca foram rompidas e os diplomatas lituanos continuaram trabalhando em Roma. Depois que a independência lituana foi reconhecida internacionalmente, em 1991, essas relações se renovaram. Poderia nos contar como foi esse processo?
Ališauskas: Eu trabalhei como conselheiro do Ministro das Relações Exteriores na época. O Santo Padre pediu ao arcebispo Audrys Juozas Bačkis, que era o núncio apostólico na Holanda, para ir à Lituânia começar uma nova etapa nas relações diplomáticas. A proposta era estabelecer essas relações através de um embaixador.
Então foi nomeado um primeiro embaixador da República da Lituânia, Kazys Lozoraitis. Antes disso, os diplomatas lituanos que residiam em Roma trabalhavam como ministros plenipotenciários. Dom Bačkis ressaltou o desejo do Santo Padre de que a Santa Sé reconhecesse o estado da Lituânia como independente sempre, e que ele rejeitava a sua incorporação à União Soviética. Então essas relações diplomáticas não foram meramente renovadas, mas subiram para um nível mais alto.
Como se desenvolveram essas relações a partir desse momento?
Ališauskas: Eu diria que o acontecimento mais importante foi a assinatura de três acordos com a Santa Sé no ano 2000. O primeiro consistia nos aspectos jurídicos das relações entre a Igreja Católica e o Estado; o segundo, nos cuidados pastorais que os católicos exerciam no exército; o terceiro era sobre a cooperação em cultura e educação.
Os soviéticos anunciaram que a concordata de 1927 com a Lituânia estava anulada. Formalmente ainda valia, mas a realidade histórica e a ordem social e política, além dos princípios do Concílio Vaticano II, tinham que se refletir na relação entre a Lituânia e a Santa Sé. Então foi escolhido o formato dos três acordos. Eu acho que o trabalho começou no início de 1996. O projeto dos três acordos foi cuidadosamente preparado para evitar que surgissem muitas perguntas ou problemas quando as conversas bilaterais começassem.
A legislação existente foi levada em consideração com muita seriedade, porque, com a independência, a Lituânia também recuperou a liberdade religiosa. Mais tarde, esses acordos foram aceitos com facilidade, porque houve, como eu mencionei, um esforço para manter a legislação lituana, que correspondia tanto à visão do estado democrático como à da Igreja católica.
Pouco depois, os acordos de 2000 foram ratificados e assinados por uma grande maioria no Parlamento. Os problemas que aparecem agora são discutidos por uma comissão bilateral que se reúne periodicamente e toma as decisões com base nesses acordos.
Um dos acordos é sobre a cooperação em educação e cultura. O que se entende como educação católica na Lituânia? Isso ajuda a frear a secularização que vem do Ocidente?
Ališauskas: Falando da educação católica na Lituânia. Eu tenho que dizer que os institutos católicos são vistos como instituições de grande prestígio [...] Não conheço a fundo as escolas fundamentais católicas, mas sei que elas funcionam bem. Temos também uma faculdade de teologia católica na Universidade Vytautas Magnus em Kaunas, a segunda maior cidade da Lituânia, que tem o direito de outorgar títulos aprovados pela Igreja. Houve vários doutores em teologia entre os recentemente graduados, o que mostra certa maturidade dessa instituição acadêmica.
Os processos de secularização são diferentes nos países que fizeram parte do regime soviético em comparação com os do Ocidente. A Lituânia sofreu 50 anos de perseguição religiosa e de ateísmo forçado. Por um lado, esta situação fortaleceu a fé das velhas gerações e o prestígio da Igreja. Por outro lado, as gerações jovens não tiveram a oportunidade de se familiarizar com os valores cristãos.
Agora temos total liberdade religiosa, mas essa liberdade significa um desafio enorme para a Igreja Católica. Podemos dizer que existem hoje dois processos paralelos: a secularização ocidental e a renovação da Igreja e a sua integração na vida cotidiana do país.
Apesar de a Lituânia ser um país secularizado, é notável que existe na prática um desejo de cooperar com a Igreja Católica e também com outras confissões tradicionais.
Já faz três anos que você está em Roma como embaixador. Acredita que a diplomacia é importante para os países pequenos? E como é o jogo da diplomacia com as nações maiores?
Ališauskas: Primeiro, não podemos esquecer que existem mais países pequenos do que países grandes. E isto é importante. Não é verdade que os países grandes joguem só entre eles. Não sei se o termo “jogar” é apropriado aqui, mas podemos usá-lo. Os grandes jogadores jogam num mundo em que existem muitos e diferentes jogadores.
Cada um tem seus próprios interesses e desejos, e o resultado da política mundial não coincide com o que cada jogador individual gostaria. A política mundial sempre dá um resultado determinado, às vezes um resultado final totalmente inesperado. E, neste sentido, o jogo dos países médios e pequenos não é insignificante.
Outra cosa é a União Europeia. Eu acho que o Tratado de Lisboa é uma ferramenta para os estados pequenos e médios se autoafirmarem como sujeitos ativos na política internacional ou dentro da União, porque atualmente as decisões não são tomadas sem que haja uma quantidade determinada de países participantes. A quantidade de população não é suficiente. Acredito que o equilíbrio que existe no Tratado de Lisboa entre os votos dos estados membros e o tamanho da população é muito racional, já que dá novas oportunidades aos países médios e pequenos para participarem na tomada de decisões.
A Santa Sé tem velhas tradições diplomáticas. No geral, é considerada como uma autoridade moral. Escuta-se a voz do Papa fora de Roma?
Ališauskas: Sem dúvida. O fato é que durante os três anos que passei aqui, abriram-se cinco ou mais residências de embaixadas. Entre as que destaco estão as da Austrália e Canadá. Isso mostra que o papel da Santa Sé no âmbito internacional é muito importante. Ela toma parte ativa no diálogo entre as civilizações e culturas e é levada em consideração em todo o mundo. Também toma parte em muitas missões de ajuda humanitária.
Além disso, a Santa Sé participa continuamente da discussão não só de questões morais cotidianas, mas também dos problemas e desafios éticos do mundo, como no campo da bioética, ecologia e dignidade humana. A Santa Sé tem sua própria opinião sobre estes temas. Tanto os crentes como os que não crentes lhe prestam atenção. Suas considerações se baseiam não só na revelação, mas também em uma grande sabedoria e experiência. A voz do Santo Padre é importante para todo o mundo e a posição da Santa Sé é muito forte e estável.
Fonte: Zenit - (Marija Burdulyte)
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