Bento XVI já nos acostumou a esperar reflexões muito relevantes dos seus discursos anuais à Cúria Romana por ocasião da apresentação da felicitação de Natal. Também este ano, o Papa não defraudou as expectativas e, aproveitando suas três viagens – à África, à Terra Santa e à República Tcheca –, falou do “Átrio do Gentios”.
O que era esse “átrio”? Segundo o profeta Isaías, o templo deveria ser um lugar de oração para todos os povos (“Meu templo se chamará casa de oração para todos os povos”). Isaías anuncia o Deus verdadeiro e único (“Eu sou o primeiro e o último, fora de mim não há outros deuses”), não a ídolos fabricados pelos homens, criados com o fim de apaziguar seus medos (“Quem fabrica um Deus ou funde um ídolo sem buscar proveito disso?”).
O “Átrio dos Gentios” era o espaço do templo ao qual tinham acesso todos os povos, não somente os israelitas, para rezar ao Deus ainda desconhecido, apesar de que não pudessem entrar no interior do templo e, assim, celebrar plenamente o mistério. Jesus havia expulsado de lá os cambistas e os vendedores de pombas, virando suas mesas, como relata o Evangelho.
Qual era o status religioso desses “gentios”? Naquela época, os gentios eram “povos” diferentes de Israel; depois passaram a ser os povos que não haviam conhecido o cristianismo. E hoje? São aqueles – diz o Papa – que estão descontentes com seus deuses, ritos e mitos, porque percebem que deles não pode derivar nenhuma salvação verdadeira, já que são produções da mão do homem. Ainda que eles não o conheçam, estão à espera do Deus único, verdadeiro e grande, o Deus que é verdade e amor, e desejam rezar a esse Deus. Como todas aquelas pessoas que sentem que a irreligiosidade da sua época não as libertou, mas que as levou a novos mitos aparentemente libertadores, mas não autênticos. Eles não conhecem o Deus verdadeiro, mas se encontrassem um cabo o agarrariam. Hoje, os gentios são aqueles para quem “a religião é uma coisa estranha” e, no entanto, não querem permanecer simplesmente sem Deus, enquanto estão cansados e repugnados com os deuses que a irreligiosidade pôs (ou impôs) diante deles.
O Papa pede que hoje também sejam criados “Átrios dos Gentios” para permitir a estes que se aproximem de Deus “pelo menos como Desconhecido”. A proposta é nova, sem dúvida, e delineia horizontes muito vastos de ação e de diálogo com os não-crentes. Para compreender melhor as indicações do Papa, eu me permito fazer algumas observações. Antes de tudo, a constatação de que, na irreligiosidade moderna, o homem é entregue de novo – como os gentios nos tempos de Israel – aos mitos e aos ídolos; novos mitos e novos ídolos, muito secularizados, mas igualmente irracionais, que consistem em seguranças contra nossos medos. Existe aqui um juízo muito duro sobre a irreligiosidade atual, quase o decreto do seu fracasso: nascida para libertar o homem do mito religioso, recaiu em versões mais pálidas, mas não menos potentes de mito. Toda a dignidade da irreligiosidade atual parece ser vista na tensão profunda com relação ao Deus Desconhecido. Repassando os discursos de Ratzinger, é fácil fazer uma lista destes novos mitos: o ecologismo, o vitalismo, o cientificismo, o materialismo, o psicologismo, o desenvolvimentismo, o terceiro-mundismo, o pauperismo, a ideologia de gênero, a ideologia da diversidade, e economicismo, o inclusivismo, o narcisismo e todas as formas de reducionismo.
Em segundo lugar, está o convite a dialogar, não em um âmbito neutro ou imparcial com relação à proposta do Deus cristão. O Átrio dos Gentios, de fato, não estava fora do templo, mas dentro. Não era um lugar profano, mas já sagrado. É um lugar ainda não confessional, ainda não litúrgico, ainda não eclesiástico, mas é um lugar religioso. Ratzinger não propõe discussões com os não-crentes de cunho somente filosófico, acadêmico, mesas redondas na catedral etc.; ele diz que os novos gentios gostariam de rezar e adorá-lo, inclusive como “Desconhecido”. Pede, portanto, uma proposta de fé e de religião.
Por último, na proposta do “Átrio dos Gentios”, vê-se a ideia ratzingeriana de que o Deus de Jesus é a resposta às profundas expectativas humanas e, como tal, segundo ele, deveria ser apresentado. A proposta de fé e de religião é, portanto, também uma proposta de razão. O percorrido, no entanto, não é jamais da razão à fé, mas da fé à razão. Esta é a principal novidade da proposta do “Átrio dos Gentios”.
Penso que, neste grande desenho, a doutrina social da Igreja pode ter um papel muito importante, pois se insere no ponto de encontro entre a razão e a fé, isto é, no ponto em que o “Átrio dos Gentios” se volta para o interior do templo. A doutrina social da Igreja é, em si, uma espécie de “Átrio dos Gentios”, enquanto fala a todos os homens, também àqueles para quem Deus é desconhecido. Ela fala de Deus falando do homem e da comunidade dos homens.
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* Dom Crepaldi é arcebispo de Trieste e presidente do Observatório Internacional “Cardeal Van Thuân” sobre a doutrina social da Igreja.
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