Lucas 14, 1.7-14“Quem se eleva será humilhado e quem, se humilha será elevado”
O relato de hoje se situa no contexto de uma refeição na casa de um chefe dos fariseus, que permanece no anonimato. Lucas tem o cuidado de sublinhar que o evento aconteceu em dia de sábado, e que os fariseus estavam observando Jesus para tentar pegá-lo em algum erro. Então, embora se trate de uma refeição, não era uma confraternização, mas muito antes um confronto.
Jesus aproveitou a oportunidade para nos deixar o seu ensinamento sobre dois assuntos importantes para a vida dos discípulos: a opção entre a humildade e o orgulho, e a gratuidade.
Como bom pedagogo, Jesus observa a vida ao seu redor, e a usa para ensinar algo sobre Deus. Os fariseus eram muito bem vistos no meio do povo simples. É um erro nosso pensar que a palavra “fariseu” seja sinônima cm “hipócrita”. Talvez essa ideia venha do Capítulo 23 de Mateus, que reflete a situação de antagonismo entre eles e os discípulos de Jesus no tempo do escrito - pelo ano 85 d.C. - mais do que do Jesus. Os fariseus eram exímios observadores da Lei, mas muitas vezes caíam no perigo de sentir-se superiores às massas que não podiam ou não conseguiam viver a Lei em seus pormenores. Confiando na sua observância como garantia de salvação, na prática dispensaram a gratuidade de Deus.
Vendo como os convidados buscaram os primeiros lugares na refeição, Jesus nos dá a lição sobre buscar os últimos lugares na festa de casamento.À primeira vista, parece que Jesus está nos ensinando a ser falsos, hipócritas; mas, a verdade é outra. O banquete desta história simboliza a nossa vida. Diante da vida, podemos optar - buscar uma vida de prestígio, aos olhos do mundo, com todos os privilégios que isso acarreta, ou buscar o serviço aos irmãos, - nos “humilhando”, pois quem servia era considerado menor do que quem era servido (como geralmente ainda hoje é!). De novo Jesus nos coloca diante do seu próprio exemplo - ele que veio “não para ser servido, mas para servir, e dar a sua vida em favor de muitos” (Mc 10, 46).
E como é atual este ensinamento! O nosso mundo é um mundo classista, onde “quem pode mais, chora menos”, até nas Igrejas - como gostamos de títulos, honras, prestígio! Em vão buscaremos nos Evangelhos títulos de honra como “Eminência, Santidade, Reverendo, “Reverendíssimo”! Sem que notássemos, o mundo entrou nas nossas comunidades com as suas falsas categorias!!
O centro da questão está em versículo 11: “de fato, quem se eleva será humilhado, e quem se humilha, será elevado”. Não é uma recomendação sádica para que procuremos ser humilhados, como muitas vezes se pregava na formação da Vida Religiosa e na espiritualidade, antigamente. Pelo contrário, é uma orientação para que não ponhamos o nosso valor nos títulos e honrarias vãs que a sociedade tanto aprecia, mas no serviço humilde aos irmãos, unindo-nos à luta pelos oprimidos, que são humilhados pela sociedade de consumismo e opulência.
Ato contínuo, Jesus nos orienta sobre a gratuidade. Recomendando ao fariseu que ele não convide os que possam retribuir com outros convites, ele nos põe diante do exemplo do próprio Deus, que é gratuidade absoluta. Novamente os marginalizados servem como exemplo para o exercício de gratuidade. Temos muitas indicações na literatura daquele tempo que tanto a sociedade judaica como a greco-romana rejeitava este pessoal sofrido. Um documento dos Essênios de Qumrã elenca as categorias que serão proibidas de entrar no banquete escatológico: “os que têm problema na pele, com as mãos ou os pés esmagados, os aleijados, os cegos, os surdos, os mudos; os que têm defeito na vista ou que sofrem de senilidade”. A lista lucana adiciona a categoria “os pobres”. Sabemos que na literatura judaica “os pobres” era muitas vezes a designação usada para Israel e especialmente para os eleitos dentro de Israel. Então Lucas está usando de ironia - mostrando que os verdadeiros eleitos não são os que a sociedade assim considera, mas os realmente pobres, marginalizados e sofredores!
O discípulo, “convidando-os”, ou seja, relacionando-se com eles como igual para igual, não receberá deles a retribuição. Eles não terão com o que retribuir, e assim seremos como Deus, que nos ama sem esperar algo em retorno. Assim estaremos colocando a nossa confiança na gratuidade de Deus, e não agindo de um modo calculista, como tanto se prega hoje: “é dando que se recebe”, como dizem os politiqueiros cínicos, como também alguns pregadores cristãos, interessados no acúmulo de dinheiro.
A imagem do banquete é simplesmente um símbolo. A história nos desafia para que examinemos as nossas motivações mais profundas, para que busquemos o serviço aos irmãos, e para que aprendamos de Deus, que é o Amor Gratuito por excelência.
Fonte: Tomas Hughes, SVD.
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