Foi talvez a maior reunião de que participei.
Na noite de 14 de julho, por apenas uma noite, uma série de tapeçarias assinadas por Rafael em 1519 retornou ao seu lugar de honra na Capela Sistina, debaixo dos épicos afrescos de Michelangelo. Um evento não visto desde 1983, no 500º aniversário do nascimento de Rafael.
Um dos aspectos mais emocionantes da noite foi ver diferentes departamentos dos Museus Vaticanos trabalhando juntos de forma tão bela. A exibição foi precedida por uma conferência de imprensa em que Antonio Paolucci, diretor dos Museus Vaticanos, Arnold Nesselrath, curador da arte renascentista, e Anna Maria DeStrobel, curador de tapeçarias e tecidos, discutiram diferentes aspectos das obras, em perfeita harmonia.
Essa extraordinária noite foi possível graças aos Patronos das Artes dos Museus Vaticanos, que, sob a direção do legionário de Cristo padre Mark Haydu, e a inspiração de Nesselrath, organizaram uma espetacular mostra de quatro tapeçarias de Rafael dos Museus Vaticanos que serão exibidas noVictoria and Albert Museum, em Londres, junto dos esboços originais (chamados "cartoons") desenhados por Rafael.
A mostra estreia no dia 8 de setembro para coincidir com a visita de Bento XVI à Grã-Bretanha e encerra a 17 de outubro. As tapeçarias pertencem às coleções papais, enquanto que os esboços pertencem à rainha Elizabeth II, tendo sido adquiridos em Gênova por 300 libras, em 1623, pelo futuro rei Charles I. Eles estão em empréstimo permanente noVictoria and Albert Museum desde 1865.A entrada na exposição em Londres será gratuita graças aos Patronos das Artes e em particular a Michael e Dorothy Hintze - uma remanescente da grande generosidade nas artes que marcou a Igreja.
As tapeçarias de Rafael foram encomendadas em 1515 pelo Papa Leão X Medici, no segundo ano de papado. Seu predecessor, Julio II, deixou para a posteridade o teto da Capela Sistina, de Michelangelo, e "descobriu" Rafael e o contratou para pintar os apartamentos papais. Júlio morreu antes de Rafael completar as quatro salas, mas o Papa Leão X, muito impressionado, encomendou-lhe a decoração da Capela Sistina, um ambiente que requeria habilidades diferentes das demonstradas por Michelangelo no teto.
Rafael foi solicitado a preparar desenhos ilustrativos das vidas de São Pedro e São Paulo, para serem transformados em uma série de tapeçarias. Trabalhando em um papel especial do mesmo tamanho do produto final (343 centímetros por 532 centímetros), Rafael e seu estúdio executaram seus desenhos em uma imagem espelho, já que as tapeçarias eram tecidas pelo verso.
Rafael tinha executado muitas gravuras e estava acostumado a trabalhar pelo reverso, embora na imagem"The Healing of the Lame Man," São Pedro levanta o paralítico com seu braço direito (como em At 3, 7) mas na tapeçaria final (uma das quatro que seguem para Londres), Pedro estende o braço esquerdo.
A tapeçaria foi confeccionada na Bélgica, no estúdio de Peter van Aelst, então considerado o maior em seu ramo. Para as tapeçarias do Papa Leão, Aelst empregou técnicas especiais: seda para alcançar a mesma qualidade de cor das pinturas a óleo e ouro e prata enrolados em fios para destacar a luz difusa da Capela iluminada por velas.
Aelst trabalhou pesado para seu patrono papal, produzindo as primeiras sete peças em 1519. As outras três chegaram em 1521, mas o sonho de Leão de 16 tapeçarias para cobrir as paredes do fundo nunca foi realizado. O custo destes trabalhos extraordinários foi estrondoso. Rafael foi pago com 1.000 ducados de ouro, mas o produto final custou 15.000, quatro vezes o custo do teto de Michelangelo.
Os esboços das tapeçarias exigiram mais detalhes que a maioria das pinturas italianas do seu tempo. A tapeçaria do homem coxo traz o belo portão do Templo de Jerusalém, empregando as colunas de mármore ricamente decoradas que rodeavam a tumba de São Pedro naquele tempo. As colunas evidenciam a narrativa perfeitamente: crianças sendo puxadas à esquerda, Pedro e o paralítico ocupando o centro, e os pobres à direita, sendo um mendigo como que desvendado, de joelhos.
A mais significativa das quatro tapeçarias destinadas à mostra em Londres é"Maiestas Papalis", em que Cristo fala para Pedro apascentar o seu rebanho (Jo 21, 15-17). Jesus é uma visão luminosa de ouro e branco brilhantes, sua mão direita aponta para Pedro, que está ajoelhado a seus pés, e a mão esquerda aponta para um rebanho de cordeiros.
Os apóstolos agrupados ao lado de Jesus e Pedro, ligeiramente deslocados do centro, parecem sujeitos a uma ação gravitacional vinda de Jesus. Esta imagem parece ter sido feita sob medida para a visita do Papa Bento XVI à Grã-Bretanha. Seguindo seu Divino mandato, o sucessor de Pedro levará alimento ao seu rebanho faminto, apesar das dificuldades, da rejeição e, no caso de Pedro, do martírio.
As sete tapeçarias completas foram exibidas pela primeira vez na Capela Sistina, a 26 de dezembro de 1519, sob admiração e surpresa universal. Penduradas nas paredes, as tapeçarias pareciam alargar o espaço, para que os visitantes pudessem testemunhar as vidas de São Pedro e São Paulo, que se desenrolava diante de seus olhos. Monumentalmente desenhadas e ricamente decoradas, essas obras conseguiram o que parecia impossível: tirar os olhos do teto e atraí-los para frente. Pela primeira vez, poucas pessoas torciam o pescoço para olhar para Michelangelo, arrebatadas pelo mundo paralelo de Rafael. A simplicidade escultural de Michelangelo unida à complexidade da pintura de Rafael transformaram a Capela para uma noite mágica, num paraíso visual.
A importância dos desenhos de Rafael foi imediatamente reconhecida. Enquanto muitos esboços foram destruídos no processo de confecção das tapeçarias, oito dos dez de Rafael sobreviveram, apesar da fragilidade natural do meio. As tapeçarias tiveram um destino mais complicado. Dispersas em 1530, elas viajaram por Constantinopla, Tunísia e França. Várias foram recuperadas em Veneza, mas a peça "Death of Ananias" foi despedaçada e apenas dois pedaços foram recuperados.
Enquanto Rafael teve tempo de ver o seu trabalho exposto na Capela Sistina, ele não tinha como saber que ele mesmo morreria apenas quatro meses depois, vítima de uma febre aos 37 anos. A morte de Rafael, seguida, um ano depois, da morte do Papa Leão X, assinalou o fim da era de ouro do Renascimento. Enquanto Rafael e Peter van Aelst estavam realizando as tapeçarias, Lutero escrevia suas 95 teses desafiando a tecedura da cristandade.
Essas tapeçarias, a última grande obra de arte de uma Igreja ocidental unida, nunca antes visitaram a Inglaterra. Na esteira da constituição apostólicaAnglicanorum Coetibus, de Bento XVI, e suas disposições para os anglicanos retornarem à Igreja Católica, os desenhos de Rafael e as tapeçarias novamente se reúnem, após 500 anos.
Suas imagens de Pedro e Paulo evangelizando lado a lado são uma eloquente ilustração do apelo do Papa à unidade.
Fonte: Zenit.
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