Segundo muitos novos ateus que atacaram de forma vociferante Deus e a religião nos últimos anos, a religião não é somente irritante, mas também prejudicial e má. Muitos deles acusam a religião de ser propagadora de divisões, ódio e violência.
Não é verdade, replica David Brog em seu livro "In Defense of Faith: The Judeo-Christian Idea and the Struggle for Humanity" (Em defesa da fé: a ideia judaico-cristã e a luta pela humanidade. Encounter Books). Brog é um escritor judeu e diretor de Christians United for Israel. A tradição judaico-cristã foi o antídoto mais eficaz do Ocidente contra as perigosas tendências da natureza humana que propiciam a violência, sustenta.
Sim, houve épocas no passado em que a fé tendia à intolerância, mas devemos ver além de algumas imperfeições da nossa tradição religiosa e reconhecer os muitos benefícios da nossa herança espiritual, explica Brog. Não somos bons simplesmente por nascer, observa, e no passado a maioria das pessoas estava dividida em tribos, etnias e nações, cada uma enfrentava as outras. A mudança radical que a tradição judaico-cristã trouxe, aponta, é a ideia de que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus e de que estamos chamados a amar todos os nossos próximos, sem exceção.
Brog chama isso de "ideia judaico-cristã" e diz que isso não só foi uma inovação no Ocidente, mas que continua inspirando nossa mais alta ética até a atualidade.
A compaixão que sentimos pela vítima de um terremoto no Haiti, ou por uma vítima da AIDS na África é um altruísmo que é excepcional na história humana, e temos de agradecer à tradição judaico-cristã por isso, acrescenta.
Cruzadas e Inquisição
Um dos capítulos do livro está dedicado ao que Brog considera mitos sobre atrocidades. Trata sobretudo das cruzadas e da inquisição espanhola, tema que surge quase de maneira inevitável quando se ataca o cristianismo. É verdade que, em ambos os episódios históricos, foram vistas atrocidades, mas Brog mantém que é necessário que consideremos o que ocorreu na perspectiva correta.
As cruzadas aconteceram em uma era de contínua guerra entre as potências cristãs e muçulmanas. Durante esses conflitos, os muçulmanos eram normalmente os agressores, e também na maior parte das vezes, os vencedores. Por isso, sustenta Brog, é incorreto pintar os cruzados como uma espécie de sanguinários e intolerantes cristãos. Na verdade, trata-se de um dos assaltos no conflito entre duas civilizações. As forças cristãs levaram a cabo atrocidades durante as cruzadas, mas - argumenta Brog - os líderes da Igreja estiveram na vanguarda na hora de tentar parar a violência injustificada.
Quanto à inquisição, Brog explica que, longe de ser a força impulsora depois de uma espécie de perseguição violenta, a Igreja foi frequentemente mais uma barreira a superar e um freio aos excessos.
É verdade que o Papa Sisto IV publicou, em 1478, a bula que autorizava a inquisição espanhola, mas Brog continua com sua defesa, dizendo que, assim que o Vaticano soube dos excessos da inquisição, interveio para tentar detê-las. Vários papas, nos anos seguintes, continuaram adotando medidas para conter a inquisição, acrescenta.
Ao concluir esta seção do livro, Brog afirma que a Igreja Católica não era a força que impulsionava a violência antissemita das cruzadas ou da inquisição, mas que, pelo contrário, havia buscado limitar tal violência. Dessa forma, estes dois episódios não provam que a religião seja uma fonte de conflitos humanos. Não obstante, adverte, revelam a necessidade de estar vigilantes, a fim de que a fé não se corrompa pela natureza humana prejudicada.
Vida humana
Um dos capítulos do livro examina o tema da santidade da vida humana. Brog compara isso com a prática comum do infanticídio no Império Romano. O código legal romano permitia matar qualquer filho homem deformado ou fraco, ou qualquer menina, sem importar se eram saudáveis ou não. Tanto judeus como cristãos se opunham com força a isso e afirmavam que não era lícito matar um inocente. Brog sustenta que a única razão pela qual hoje reconhecemos a santidade e igualdade de todos os seres humanos no Ocidente se deve à herança judaico-cristã.
"A maioria das civilizações, através da maior parte da história humana, nunca chegou a esta visão", acrescenta.
Se algum filósofo do Iluminismo tivesse acolhido e abraçado este conceito da santidade da vida humana, dificilmente teria podido acreditar que oferecia uma contribuição original ao fazê-lo, sustenta Brog, já que a ideia vem diretamente da Bíblia, que a maioria deles tinha lido.
O perigo hoje, afirma, é que a ciência está pulando o muro que separa os seres humanos do reino animal e trata o homem somente como um animal. Somos advertidos com frequência sobre o perigo de que a religião se introduza em campos que não lhe competem, observa Brog, mas quando se trata da moralidade, é necessário que a ciência respeite sua falta de competência.
"Quando a ciência se aventura para além de suas áreas de interesse no reino da moralidade, costuma deixar cadáveres em seu caminho", adverte Brog.
A mesma advertência se aplica à filosofia, continua Brog. Ainda que todos nós nos beneficiamos da tradição clássica e dos filósofos do Iluminismo, há limites ao que a filosofia pode nos ensinar.
A tradição judaico-cristã atribui aos seres humanos um valor que vai além das suas capacidades e contribuições individuais. E argumenta que, infelizmente, a filosofia leiga tentou muitas vezes quebrar esta situação e submeter-nos a sistemas de avaliação bem menos benignos.
Entre os perigos que Brog enumera, está a eugenesia, popular nos anos 20 e 30, que justificava a esterilização das pessoas consideradas inferiores, sancionada como prática legítima nada menos que pelo Tribunal Supremo dos Estados Unidos. Para que não pensemos que isso é só uma singularidade histórica, Brog aponta que hoje há filósofos, como Peter Singer, que estão a favor do infanticídio e da eutanásia.
Genes egoístas
O capítulo intitulado "Transcender nossos genes egoístas" está dedicado a mostrar como ambas as religiões, a judaica e a cristã, dão uma grande importância ao amor aos demais. Isso se baseia no escrito no primeiro capítulo do primeiro livro da Bíblia, no Gênesis, em que se diz que Deus criou o homem à sua própria imagem. Esta pode muito bem ser a ideia mais revolucionária de toda a história humana, assegura Brog.
Acreditar nisso implica em aceitar que estamos investidos de um valor acima de todos os demais seres criados e este é o fundamento de todos os direitos humanos. Não só estabelece o valor supremo de cada vida humana, mas também afirma a igualdade de todos os seres humanos.
Em uma interessante seção, Brog explica que o amor aos demais está no centro da tradição judaica, rejeitando a ideia de que na época de Jesus o judaísmo havia se reduzido à observância de algumas leis e rituais frios.
Há, no entanto, diferenças significativas entre o cristianismo e o judaísmo, admite. Contudo, deixando de lado as muitas questões teológicas que separam ambos, quando se chega à questão da moralidade, há uma marcada afinidade, comenta Brog.
Como o judaísmo, o cristianismo acentua a necessidade de agir em nome do amor que prega. Além disso, observa o autor, o exemplo último de amor em ação é a crucifixão de Jesus.
Voltando ao dia de hoje, comenta que o fato de que o Papa Bento XVI tenha escolhido para sua primeira encíclica o tema do amor é muito significativo.
Podemos discrepar sobre se há um Deus, mas - observa Brog - não podemos negar que a tradição judaico-cristã foi o meio primário pelo qual pudemos conseguir avanços éticos. Rejeitar a religião só levará a um aumento do sofrimento humano e do mal.
Fonte: Zenit.