Serra Leoa é um pequeno país da costa ocidental africana, com 5 milhões de habitantes e uma grande riqueza em recursos naturais, que incluem diamantes, ouro, bauxita e minério de ferro.
O país acaba de sair de uma longa década de guerra civil, mas ainda enfrenta os desafios da reconciliação e da reconstrução.
O programa de televisão Deus Chora na Terra, da Catholic Radio and Television Network (CRTN), em colaboração com Ajuda à Igreja Necessitada, entrevistou o arcebispo de Freetown, Dom Edward Tamba Charles.
- A tarefa da reconstrução e da reconciliação é imensa depois de uma década de guerra civil, que terminou em 2002. Por ondecomeçar?
Dom Charles: É uma tarefa imensa mesmo, e, no começo, nós nem sabíamos o que fazer primeiro. O meu predecesor tinha dado os primeiros passos, e eu fui em frente com a reconstrução das estruturas, das vidas, cuidando das feridas e assessorando nos colégios, com o programa de educação na paz.
- O senhor pode nos explicar brevemente as causas dessa guerra?
Dom Charles: Eu diria em primeiro lugar quais não foram as causas. Não foi uma guerra religiosa. Foi a habitual guerra tribal africana. Ânsia de poder. Alguns grupos queriam tomar o poder e ter acesso à riqueza do país, aos imensos recursos minerais que nós temos. A injustiça também fez a parte dela, porque algumas pessoas entraram para um grupo ou para outro, de combatentes, querendo se vingar de coisas do passado. Em algumas regiões eles mataram cidades inteiras. Depois, teve alguns que acharam que o próprio bando os enganou na hora de escolher os chefes. Então eles acharam que todo mundo tinha que perder, e tocaram fogo nas aldeias...
- As vítimas e aqueles que fizeram tudo isso ainda vivem na mesma sociedade. Como se constrói a reconciliação nesse tipo de ambiente?
Dom Charles: O nosso senso de justiça abre espaço para a misericórdia também. Quando foi proposto um tribunal especial da ONU, muitos em Serra Leoa acharam que não era necessário, porque não ia trazer os mortos de volta, os amputados não iam recuperar os braços nem as pernas... O povo achava que o que estava feito não podia ser desfeito. E então? Bom, alguns dos que fizeram aquilo ainda estão entre nós, sim, mas muitos fizeram aquilo porque os adultos os drogavam. Algunos desses adultos foram parar no tribunal especial, outros ainda estão sendo julgados.
O que nós queremos é a reintegração deles e seguir em frente. A vida tem que continuar. Alguém pode dizer: "Vocês, de Serra Leoa, têm um senso de justiça muito esquisito". Pode ser, mas nós queremos seguir em frente. Alguns voltaram para as aldeias deles. Houve processos tradicionais de reconciliação. Eles pediram perdão e foram aceitos pela sociedade. Alguns até entraram para a polícia e para o exército e voltaram à vida normal.
- A Igreja está participando nesse processo de reconciliação?
Dom Charles: Está, para garantir que não aconteça aquilo de novo. É por isso que nós temos programas de educação para a paz nos colégios.
- Como é, na prática?
Dom Charles: É ensinar as crianças a se relacionar de modo pacífico, respeitar os direitos dos outros, e, se fizerem alguma coisa errada, pedir perdão. Nós começamos com um programa piloto para os colégios católicos. Agora algumas comunidades estão pedindo que a gente estenda os programas. Também temos programas de ajuda para as vítimas de traumas da guerra, que sofrem muito para se reconciliar depois daquilo.
- O país é rico em recursos minerais: diamantes, ouro e bauxita. Maldição ou bênção?
Dom Charles: Uma maldição! Você sabe que os extratores, no mundo inteiro, deixam muita destruição no meio ambiente, muita pobreza, e os recursos minerais de Serra Leoa não foram uma exceção. Os primeiros diamantes foram achados nos anos trinta na minha própria região, no distrito de Kono. Hoje em dia não tem nem água encanada, não tem eletricidade, as estradas estão em mau estado, esburacadas, abandonadas tanto pelas mineradoras quanto pelos rebeldes, que, durante a guerra, precisavam de alguma coisa para comprar armas. Eles destruíram muitas aldeas, de propósito, porque queriam fazer uma imensa mina a céu aberto para extrair os diamantes e comprar armas. Você viu o filme Diamante de Sangue? Ele tenta apresentar uma imagem do que aconteceu: diversos grupos vendem armas para os dois lados, rebeldes e governo, em troca de diamantes.
- O que o senhor pediria às pessoas do resto do mundo?
Dom Charles: Eu pediria que elas rezem por nós, principalmente isso. Em segundo lugar eu quero garantir para eles as nossas próprias orações. Nas Igrejas de criação recente, nós nos entristecemos ao ver que as Igrejas que contribuíram com o nosso sustento estão perdendo o dinamismo que tinham. Algumas igrejas estão vazias. Sem vocações. As paróquias se fecham... Nós rezamos para que a fé não se perca. Esta é a minha esperança e a minha oração por eles. E que no futuro eles sejam valentes para aceitar missionáros das Igrejas que eles levantaram na África, na Ásia e no mundo todo. Esta é a minha mensagem para eles.
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Mark Riedemann
Fonte: Zenit.
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