Pouco mais de um mês após o dramático apelo lançado por Bento XVI, no domingo, 17 de julho, por ocasião da oração mariana do Ângelus, continua a catástrofe humanitária no Chifre da África, particularmente na já martirizada Somália: depois do Bakool Meridional e da Baixa Shabelle (especialmente os distritos de Balcad e Cadale), a de Benadir, que compreende a área da capital Mogadíscio, e o chamado corredor de Afgoye.
E tudo indica que as coisas não mudarão muito. “Não cometamos o erro de acreditar que o pior já passou, advertiu em Genebra o porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (UNHCR), Adrian Edwards (Agência EFE, 12 de agosto). “A situação não melhorará, pelo menos até janeiro”, confirmou, por sua vez, a coordenadora das intervenções humanitárias da Fundação Cooperação Internacional (COOPI) na Somália, Gemma Sammartin (Repubblica.it, 4 de agosto).
A emergência se estende também ao norte da Somália, em particular ao Puntland, ou seja, à região semi-autônoma que forma a ponta extrema da África Oriental. “As populações perderam 85% do gado pela seca e a porcentagem de desnutrição aguda chegou a 25% nos campos de refugiados de Bosaso, e a 23,6% na região do Karkaar”, declarou Daniele Timarco, de Save the Children Italia.
Segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), disponíveis em seu site (www.unicef.it, 17 de agosto), pelo menos 12,4 milhões de pessoas afetadas pela seca nos quatro países têm “necessidade imediata, urgente de ajuda humanitária”. As estimativas falam, de fato, de 4,8 milhões no leste da Etiópia, 3,7 milhões na Somália (das quais 2,8 milhões no sul do país), outros 3,7 milhões no nordeste do Quênia e, finalmente, 165 mil no pequeno Jibuti.
Ainda segundo a UNICEF, somente na Somália, 1,85 milhões de crianças precisam de assistência e mais de 780 mil estão desnutridas – 640 mil nas áreas meridionais. Deste último grupo, 310 mil crianças – isto é, quase a metade – sofrem de desnutrição aguda grave. Em todo o Chifre da África, 600 mil crianças se encontram em perigo imediato de morte, ao serem afetadas pela desnutrição grave. “Calcula-se – lê-se no Situation Report da Cáritas Somália, enviado à agencia Fides (20 de agosto) – que, a cada 11 semanas, morre 10% da população somali abaixo dos 5 anos.”
Enquanto isso, prossegue o êxodo dos refugiados. Os dados do UNHCR, que na semana passada havia criado um novo site para a emergência no Chifre da África [1], impressionam. Basta pensar na situação de Dadaab, a empoeirada cidade do nordeste do Quênia que acolhe atualmente o maior complexo de campos de refugiados. Segundo estimativas da agência da ONU, os diversos campos de Dadaab – Ifo, Dagahaley e Hagadera, mais a chamada "Extension Ifo", com os setores Ifo 2 e Ifo 3 – acolhem quase 440 mil refugiados somalis, um número de habitantes de cidades italianas como Bari (320 mil). Fugindo da carestia, da seca e da violência em seu país, atualmente mais de 140 mil somalis chegaram este ano ao Quênia, dos quais 700 mil nos meses de junho e julho (www.unhcr.it, 19 de agosto).
A constante afluência de refugiados coloca as agências humanitárias diante de uma imensa tarefa. A situação higiênica e sanitária nos campos superpopulados está frequentemente no limite, com todas as consequências, como demonstra o aparecimento de doenças como o cólera, o sarampo e a coqueluche. No complexo dos campo de Dollo Ado (Etiópia), por exemplo, foram registrados, segundo o UNHCR, 166 casos suspeitos de sarampo e 15 falecimentos ligados a esta doença.
Para enfrentar esta enésima emergência, as agências internacionais lançaram uma série de programas de vacinação massiva. Precisamente no complexo Dollo Ado, concluiu na semana passada, no campo de Kobe, uma primeira campanha de imunização contra o sarampo em todas as crianças na faixa dos 6 meses aos 15 anos, e se colocou em marcha uma segunda em Melkadida, que, com seus 40 mil prófugos, é a maior região da Etiópia.
Outro desafio para os agentes humanitários é a contínua violência. Na sexta-feira, 5 de agosto, um tiroteio ocorrido durante a distribuição de alimentos no maior campo de refugiados da capital somali, Mogadíscio (Badbado), provocou 12 vítimas. Segundo algumas testemunhas, a violência começou quando soldados governamentais ou milicianos próximos do fraco governo de transição tentaram roubar uma parte das quase 300 toneladas de ajuda do Programa Alimentar Mundial (WFP). O primeiro-ministro somali, Abdiweli Mohamed Ali, visitou o lugar e se declarou “profundamente incomodado” (guardian.co.uk, 5 de agosto).
Violência e abusos afetam também os prófugos somalis, que, depois de terem caminhado durante dias e noites inteiras, conseguem chegar aos campos do Quênia e da Etiópia. Um novo informe de Human Rights Watch (HRW), divulgado neste mês com o título “You Don't Know Who to Blame”. War Crimes in Somalia [2], denuncia abusos contra os direitos humanos, cometidos inclusive por parte das tropas do AMISOM (a missão da União Africana na Somália) e da polícia do Quênia. Não faltam notícias sobre as mulheres somalis estupradas em Dadaab e nas proximidades por policiais quenianos.
Um capítulo à parte são os combatentes do movimento islâmico extremista al-Shabab, que se retiraram de Mogadíscio, permitindo às tropas governamentais que estendessem o controle a toda a capital, que, segundo estimativas, acolhe cerca de 475 mil refugiados internos, dos quais 100 mil chegaram nos últimos meses. “Eu me pergunto se a de Chabab não é uma retirada estratégica para fazer confluir em Mogadíscio as ajudas humanitárias, para depois voltar de repente e tomar uma parte, ou talvez seus dirigentes tenham advertido a fortíssima pressão internacional (…) e tenham decidido deixar temporalmente a cena da capital somali”, explicou a Fides (8 de agosto) Dom Giorgio Bertin, bispo de Jibuti e administrador apostólico de Mogadíscio.
A ONG americana International Christian Concern (ICC), que denuncia a perseguição dos cristãos no mundo, acusa, por outro lado, os milicianos de al-Shabab de negar deliberadamente, aos cristãos que moram nos territórios controlados por eles, o acesso às ajudas ou a possibilidade de fugir a regiões sob controle governamental, um movimento que faz parte de uma estratégia para erradicar o cristianismo da Somália. “Qualquer somali suspeito de ser cristão ou amigo de um cristão não recebe ajuda humanitária alguma”, afirmou o chefe de uma igreja clandestina (ICC, 15 de agosto). Segundo fontes locais, pelo menos 18 cristãos morreram de inanição nas cidades de Afgoye, Baidawa e Kismayo, após terem sido excluídos das ajudas humanitárias.
Como se sabe, os al-Shabab, que no último verão vetaram três agências humanitárias cristãs, acusando-as de ser missionárias, mostraram-se sempre ferozes diante dos cristãos. Basta recordar as impactantes imagens da degolação, em 2008, de um convertido ao cristianismo, o jovem de 25 anos Mansur Mohammed, por parte dos milicianos islâmicos.
Enquanto isso, a comunidade cristã internacional mantém, junto às demais agências humanitárias, seu compromisso a favor das populações afetadas. Enquanto a Cáritas Somália está coordenando as ajudas procedentes das demais cáritas do Mundo, a organização católica irlandesa Trócaire assiste cerca de 220 mil pessoas no centro-sul da Somália (Fides, 20 de agosto). Por outro lado, os bispos católicos do Quênia lançaram, há algumas semanas, um fundo de emergência – o Catholic Charity Emergency Fund – e dirigiram um apelo para contribuições a favor desta iniciativa (Fides, 4 agosto).
Em nome do Papa Bento XVI, o Conselho Pontifício Cor Unum enviou uma “substanciosa ajuda” a 5 dioceses do Quênia e a 6 dioceses da Etiópia, que “estão enfrentando a emergência humanitária com os poucos meios que têm à sua disposição. Quem fez esta declaração foi o secretário do dicastério, Dom Giampietro Dal Toso, em uma entrevista à Radio Vaticano (12 de agosto). “A presença da comunidade internacional está garantida, mas repito: acho que a atenção deve estar sempre disposta, porque atualmente é a crise financeira que ocupa a maior parte da informação. Mas nesses países e em muitos outros do mundo, existem pessoas que morrem de fome, e no terceiro milênio isso é inadmissível”, afirmou o prelado.
[1] http://data.unhcr.org/horn-of-africa/
[2] http://www.hrw.org/sites/default/files/reports/somalia0811webwcover.pdf
Fonte: Zenit - (Paul De Maeyer)
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