O jornalista católico cubano Félix Sautié Mederos escreve, a seguir, sobre a Cuba que espera a chegada do papa.
Félix Sautié Mederos
Em meio a contingências, polarizações e angústias tão prementes para o povo cubano, assentado dentro e fora das nossas fronteiras, novamente me surpreende a vertiginosa sucessão de eventos deste 2012 que acabamos de iniciar. Parece que, quanto mais os anos passam por mim, mais eu pressinto que o tempo corre com pressa, como se o meu interior estivesse apurado para chegar ao momento da passagem definitiva. No entanto, eu me esforço insistentemente para colaborar, na medida das minhas possibilidades, com a reconciliação e o diálogo entre os cubanos, sem me deixar amedrontar pelas advertências, insultos e ameaças veladas que alguns perdem tempo em me fazer chegar.
Estas foram as minhas sensações existenciais durante a celebração litúrgica da quarta-feira de cinzas de 2012, na catedral de Havana, provocadas pela lembrança sacramental de ser pó e ao pó ter de tornar. As cinzas abençoadas pelo arcebispo de Havana, cardeal Jaime Ortega, com a água viva da criação e a natureza que nos lavará, deram início ao período penitencial preparatório para a Semana Santa e para a Páscoa da Ressurreição, etapas de profundo misticismo no calendário cristão, em cujos dias prévios o papa Bento XVI visitará Cuba.
Refiro-me a dois fatos de alta transcendência espiritual, que se manifestarão muito apesar dos que não conseguem ocultar os seus ódios contra a Igreja, e de outros detratores monotemáticos que só aceitam as coisas convergentes com as suas ideias. Vozes que abusam sem piedade do povo cubano, do seu direito de refugiar-se espiritualmente nas suas devoções e nas suas atividades de espiritualidade. Por outro lado, considero imprescindível manter sempre em consideração que as festividades e comemorações religiosas constituem direitos inalienáveis das pessoas que, por vontade própria, optam por participar. Assim, o fato histórico da visita a Cuba do papa Bento XVI, em peregrinação pelos 400 anos do achado da imagem da Virgem da Caridade em 1612, que é padroeira e Rainha de Cuba, é seu direito como sucessor de São Pedro, assim como é direito do povo cubano, crente ou não, recebê-lo com alegria, respeito e dignidade.
Em meio de tanto mais do mesmo, de tantos desenganos e desesperanças, um acontecimento desta índole, na minha opinião, constitui uma mudança no ritmo existencial e um estímulo carregado de esperanças, que se transformarão num motor para a luta pela vida. Nestas circunstâncias e conjunturas, eu considero que a visita papal terá importantes repercussões positivas para a auto-estima do povo cubano que vive dentro e fora das nossas fronteiras, porque nunca deveríamos esquecer a diáspora que saiu das nossas entranhas. E, principalmente, será de especial significação a sua mensagem de amor intrínseco, próprio da devoção à Virgem da Caridade, assim como propiciador de paz, diálogo, reencontro, reconciliação, acima de qualquer consideração política.
Uma celebração de 400 anos é única; e, se é estritamente religiosa, supera as contingências econômicas, políticas ou históricas do momento. Nesta ocasião, os crentes cubanos, muito especialmente os católicos de todas as ideias políticas e sociais, de dentro e de fora das nossas fronteiras, têm o direito inalienável de receber o papa, que é o pastor universal da nossa Igreja, e fazê-lo com satisfação máxima e sem nenhum tipo de limitação e sem os condicionamentos que alguns pretenderiam colocar, com julgamentos e critérios até insultantes e depreciativos para com quem pensa diferente deles, assim como para com a Igreja católica cubana, os crentes, o povo cubano e, ainda mais, para com quem é o pastor da Igreja católica universal.
O que Bento XVI vier expor em Cuba, tanto às autoridades governamentais quanto aos católicos e ao povo em geral, é uma responsabilidade exclusivamente sua, emanada de sua consciência e de sua alta investidura religiosa e estatal. Penso que só depois da sua visita é que poderão ser avaliadas as repercussões essenciais para Cuba que, no concernente à população católica, assim como aos devotos da Virgem da Caridade, serão por si sós enriquecedoras e cheias de júbilo espiritual, já que se trata de uma viagem pastoral plenamente justificada por um aniversário transcendente para a nossa identidade nacional. A Virgem da Caridade, afinal, é um símbolo indiscutível da nossa nacionalidade.
Opino, porém, que faz parte da correta lógica existencial e histórica identificar, reconhecer e manifestar publicamente as complexas circunstâncias do momento de inflexão em que nós, cubanos, estamos imersos, assim como as angústias que estamos atravessando dentro e fora do país, e que, por conseguinte, proclamemos os nossos reclames e problemas neste sentido; mas as imposições conceituais, os condicionamentos e os insultos não têm cabimento, e ferem as necessidades de reencontro, diálogo e reconciliação, tão urgentes para a nação cubana hoje.
Os insultos e condicionamentos extemporâneos coincidem com as ações ameaçadoras e de advertência, assim como com o uso da força e da repressão contra o pensamento diferente. Estes fatos controversos propiciam o empobrecimento do ambiente e a criação de situações complicadas e insustentáveis.
Considero que, na quaresma de 2012 e no Ano Jubilar do 400º aniversário do achado da imagem da Virgem da Caridade, receber a visita pastoral de Bento XVI é nosso direito, que coincide com as nossas urgências atuais. Assim acredito, assim afirmo e assim defendo. Bem-vindo seja o papa!
Fonte: Zenit.
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