Bento XVI encontrou neste sábado (10) o arcebispo anglicano de Canterbury, Rowan Williams, na igreja de São Gregório, onde foram celebradas as vésperas. Deste templo, construído sobre a casa de São Gregório Magno no século IV, partiram os apóstolos Agostinho de Canterbury e 40 monges para evangelizar a Inglaterra.
O atual reitor do mosteiro dos beneditinos cistercienses, Peter Huges, que já foi presbítero anglicano e hoje é sacerdote católico, começou em 1998 uma experiência monástica no mosteiro cisterciense próximo de Arezzo, Itália, e em 2000 foi acolhido pela Igreja católica.
O agora padre Peter Huges conta aos leitores de ZENIT a história do seu percurso de vida, o respeito pelas suas origens anglicanas, as dificuldades e as esperanças de hoje entre a Igreja anglicana e Roma. E comenta que este encontro dará um novo impulso ao verdadeiro caminho ecumênico.
Você era anglicano e entrou na Igreja católica no ano 2000, certo?
-Pe. Huges: Não exatamente. Em 1998 eu comecei uma experiência de vida monástica no mosteiro de Camaldoli, em Arezzo, onde fica a nossa casa-mãe, que, aliás, este ano celebra os mil anos da sua fundação, feita por São Romualdo. Fui acolhido pela comunidade monástica, que é sensível ao empenho ecumênico e que me acolheu na Igreja católica reconhecendo as minhas origens anglicanas. Obviamente, não era possível reconhecer o meu sacerdócio. Por isso eu vivi os últimos anos como monge católico e anglicano, o que foi um privilégio. Passei para a Igreja católica sem renunciar às minhas origens.
Há uma pastoral específica para os anglicanos que querem entrar na Igreja católica?
-Pe. Huges: O meu caminho pessoal foi diferente, porque eu não tinha pensado em me converter. No caso dos anglicanos que querem entrar na Igreja católica, existe a constituição apostólica Anglicanorum Coetibus, que prevê um ordinariato para encontrar acolhimento, e onde também se valoriza o patrimônio da Igreja anglicana sem perdê-lo na transição para a religião católica.
Você era casado? Em outros ritos da Igreja é permitido...
-Pe. Huges: Não. E se fosse, não poderia ser monge.
Monge camaldulense. Por que essa comunidade religiosa?
-Pe. Huges: A primeira experiência foi em 1998. Foi muito forte e eu pedi para prolongá-la. Eles me deram a possibilidade de ficar mais um ano como presbítero anglicano hóspede. Nesse período, o meu caminho monástico se desenvolveu e nós vimos que existia a possibilidade de me integrar na comunidade. Segundo o direito canônico, você só pode ser monge camaldulense se for católico. Camaldoli tinha essa sensibilidade ecumênica, de dialogar, da abertura à cultura moderna. Então, para mim, foi um contexto para viver o empenho monástico com um horizonte mais amplo.
Hoje você é monge e também sacerdote?
-Pe. Huges: O meu presbiterado anglicano não podia ser exercitado na Igreja católica. No ano passado, eu fui invitado a assumir a responsabilidade aqui em São Gregório e me perguntaram se eu queria ser ordenado presbítero na Igreja católica.
E então?
-Pe. Huges: Depois de um período de reflexão e de consultas entre as Igrejas católica e anglicana, com a qual eu ainda tenho relações muito próximas, decidi aceitar o convite. Acho que é um chamado a exercer com mais plenitude esse ministério de guiar uma comunidade, ao ser presbítero da Igreja. Na quarta-feira passada eu fui ordenado presbítero pelo arcebispo Bruno Forti, aqui em São Gregório.
O papa se encontrou com o número um da Igreja anglicana, ou o número um é a rainha?
-Pe. Huges: A rainha não é chefe da Igreja anglicana. Do ponto de vista constitucional, ela é a governadora suprema. Mas na gestão da vida eclesiástica, são os bispos, o primaz e arcebispo de Canterbury.
O fato de que muitos anglicanos viraram católicos criou problemas? Como isso foi avaliado?
-Pe. Huges: É necessário levar em consideração que a resposta do Santo Padre foi pastoral, diante da solicitação de anglicanos e ex-anglicanos que queriam entrar em plena comunhão com a Igreja de Roma.
Pastoral, mas também um caminho ecumênico?
-Pe. Huges: O caminho ecumênico tem uma finalidade um pouco diferente. É a possibilidade de chegar a um ponto de reconhecimento recíproco, em que as Igrejas se aproximem através do reconhecimento mútuo de ministérios e sacramentos. Este caminho se empenha no diálogo teológico sobre sacramentos, a doutrina do ministério, a doutrina da Igreja, para chegar ao ponto da plena comunhão de fé e sacramentos. Este é o caminho ecumênico da Igreja.
Em que ponto estamos deste caminho? Uma pergunta nada simples!
-Pe. Huges: O ponto depende das pessoas que estão fazendo o caminho. Eu acho que esse encontro se insere no desejo de dar impulso a essa união. É um momento em que podemos reacender a esperança. Quando há um encontro significativo entre o Santo Padre e o chefe de outra Igreja, significa que, através desse encontro e da sua simbologia de fraternidade, de compartilhamento, de desejo de comunhão, então os fiéis de ambas as Igrejas encontram inspiração.
As ordenações femininas e outras inovações complicam muito as coisas?
-Pe. Huges: Sim, complicam bastante o caminho ecumênico entre a Igreja católica e a anglicana. Porque a Igreja católica não reconhece como possibilidade a ordenação feminina. É um obstáculo de nível institucional. Apesar disso, as Igrejas decidiram continuar as conversas e isto é importante, mesmo com diferenças fundamentais, como é o caso do ministério da ordem.
A Igreja anglicana tem continuidade apostólica ou ela foi rompida?
-Pe. Huges: Depende do que se entende por continuidade. Do ponto de vista da tradição anglicana, a continuidade apostólica consiste na fidelidade a Cristo e ao seu mandamento aos apóstolos, que se expressa através de uma estrutura tradicional que existe nas duas igrejas, com os bispos, presbíteros e diáconos. O bispo tem o papel de representar e garantir essa fidelidade às origens. A diferença está no modo de conceber o papel da garantia. Se você a entende como uma corrente ininterrupta de um bispo para outro, então é muito difícil, porque, historicamente, em toda a Igreja, houve momentos difíceis em que a corrente sofreu uma certa ruptura. Mas a garantia vem através do papel do bispo como custódio, inclusive se na Igreja católica levarmos em consideração a corrente, sem excluir a fidelidade do bispo.
Fonte: Zenit.
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