Jesus viveu na cidade de Nazaré, dentro de todas as relações sociais de uma vilazinha habitada por pessoas briguentas e implicantes com as outras, com relações mais provincianas do que aquelas ainda encontradas em nossos dias, malgrado o crescimento, a técnica, comunicações e outros acréscimos mais oferecidos pela cultura corrente. Ali, quando alguém, criado nas vielas e no meio da criançada e depois juventude, aprendiz de carpinteiro, certamente amigo de tanta gente, volta e se faz realizador das profecias, o fato suscitou reações fortes que chegaram aos limites do ódio, com o qual muitos pretenderam eliminá-lo. Jesus teve que passar pelo meio da multidão, escapando para não ser lançado no precipício (Cf. Lc 4, 21-30). Entretanto, sua presença deixou estupefatos os habitantes de Nazaré: “Seus discípulos o acompanhavam. No sábado, começou a ensinar na sinagoga, e muitos se admiravam. ‘De onde lhe vem isso? ’, diziam. ‘Que sabedoria é esta que lhe foi dada? E esses milagres realizados por suas mãos? Não é ele o carpinteiro, o filho de Maria, irmão de Tiago, Joset, Judas e Simão? E suas irmãs não estão aqui conosco? ’ E mostravam-se chocados com ele. Jesus, então, dizia-lhes: ‘Um profeta só não é valorizado na sua própria terra, entre os parentes e na própria casa’. E não conseguiu fazer ali nenhum milagre, a não ser impor as mãos a uns poucos doentes. Ele se admirava da incredulidade deles. E percorria os povoados da região, ensinando” (Mc 6, 1-6).
Por onde passava, o povo experimentava a alegria: “Cheios de grande admiração, diziam: Tudo ele tem feito bem. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem” (Mc 7, 37). O Senhor Jesus só fez o bem e manifestou a infinita misericórdia do Pai, não deixando passar perto de si os cegos, os coxos e estropiados, mudos, paralíticos, marginalizados e pecadores de todo tipo. Justamente por isso foi julgado, condenado e morto, para depois ressuscitar glorioso ao terceiro dia. Perto dele se encontravam os discípulos, começando pelos apóstolos, para alargar cada vez mais o círculo, chamando homens e mulheres do meio das multidões que se multiplicam pelos séculos afora. A porta é sempre a do perdão e da misericórdia. As testemunhas mais significativas são justamente aquelas que foram banhadas pelo óleo do perdão e acolhidas com o abraço do pastor, que vai ao encontro da ovelha perdida e a traz sobre os ombros. Há poucos dias, o Papa Francisco abençoou os carneirinhos dos quais é tirada a lã para confeccionar os pálios dos Arcebispos nomeados a cada ano, chamados justamente a serem sinais do amor misericordioso, que busca quem está perdido.
Mas esta é a vocação de todos os cristãos, feita também matéria do exame a ser aplicado no fim dos tempos, a prova da misericórdia. Se a Igreja e os cristãos são julgados, quem sabe condenados, perseguidos e incompreendidos, que seja pela prática da bondade e da misericórdia. Nas “nazarés” de todos os tempos, permita o Senhor que todos os discípulos de Jesus passem fazendo apenas o bem, e que suas mãos não se manchem com a iniquidade e eles não sejam motivo de escândalo para os pequeninos.
Como a fragilidade humana acompanha nossa história pessoal e de Igreja, a proclamação contínua da misericórdia, mormente em tempos transformados em “Jubileu”, somos convidados a acorrer ao trono do perdão ilimitado do Senhor. Ponto de partida é o reconhecimento sincero e honesto das fraquezas e pecados cometidos, para que assim o Espírito Santo encontre corações abertos à unção do perdão. Quem se julga mais perfeito do que os outros, espécime superior diante do comum dos mortais, fecha a porta para a experiência magnífica do perdão misericordioso de Deus e para o consequente crescimento na virtude. Daí a insistência da Igreja, no Ano da Misericórdia, convidando à peregrinação, oração, sacramento da Penitência, tudo isso simbolizado na passagem pelas muitas portas santas da Misericórdia abertas por toda parte.
Entretanto, a Igreja convida a espalhar a misericórdia, através das chamadas “Obras de Misericórdia”, para que todos experimentem a alegria de ser misericordiosos como o Pai. A Arquidiocese de Belém, inspirada pela proposta feita pelo Papa Francisco aos jovens que se preparam à Jornada Mundial da Juventude, convida todos os irmãos e irmãs que se sentem tocados pela graça do Jubileu, a colocarem em prática, pouco a pouco, estes gestos corporais e espirituais, durante o ano corrente. Para o mês de fevereiro, desejamos juntos praticar duas obras de misericórdia espirituais: Dar bom conselhos e ensinar os que precisam.
Aconselhar é orientar e ajudar a quem precisa. O Salmista nos convida a rezar: “Bendigo o Senhor que me aconselhou; mesmo de noite meu coração me instrui” (Sl 16, 7). Jesus nos orientou e aconselhou a não sermos cegos guiando cegos (Cf. Mt 15, 14), e também a primeiro tirarmos a trave do nosso olho, para depois tirar o cisco do olho do irmão (Lc 6, 39). Dar bons conselhos e não qualquer conselho. Para isso, é preciso mergulhar na graça do Espírito Santo e perceber os sinais de Deus que nos auxiliam na compreensão dos fatos. Aconselhar não é pretender adivinhar o futuro, muito menos projetar nossas angústias; é ajudar, à luz da oração e do conhecimento da vontade de Deus, a quem nos pede um discernimento nas opções e decisões a serem tomadas.
Ensinar os que precisam não é apenas transmitir conhecimentos, ensinar os valores do Evangelho, formar na doutrina e nos bons costumes éticos e morais. A história da salvação é sem dúvida uma instrução contínua e interrupta da parte de Deus para com a humanidade. Nossa tarefa é instruir as pessoas, começando pelo nosso exemplo, chegando à Palavra e os ensinamentos sistemáticos. À comunidade dos Colossenses Paulo diz: “A palavra de Cristo permaneça em vós com toda sua riqueza, de sorte que com toda sabedoria possais instruir e exortar-vos mutuamente.” (Cl 3, 16). Toda instrução que brota da caridade, oração e paciência gera frutos em abundância.
Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo metropolitano de Belém do Pará
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