sábado, 16 de janeiro de 2016

O Papa na sinagoga de Roma: “Sinal que contrasta com o uso da religião para destruir”


O Papa na sinagoga de Roma: “Sinal que contrasta com o uso da religião para destruir”

Expectativa pela visita de Francisco neste domingo, diante dos desafios que judeus e cristãos podem e devem enfrentar juntos Com palavras sóbrias, o rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, expressa a sua expectativa pela visita que o papa Francisco fará à sinagoga […]
2014 Pastoral Visit of Pope Francis to Korea
Commons.Wikimedia.Org
Expectativa pela visita de Francisco neste domingo, diante dos desafios que judeus e cristãos podem e devem enfrentar juntos
Com palavras sóbrias, o rabino-chefe de Roma, Riccardo Di Segni, expressa a sua expectativa pela visita que o papa Francisco fará à sinagoga da capital italiana neste dia 17 de janeiro – o terceiro papa a visitá-la depois de João Paulo II (1986) e Bento XVI (2010); ou melhor, o quarto, “recordando que o primeiro papa a entrar numa sinagoga foi São Pedro”, como diz o próprio rabino. A lembrança das visitas anteriores será o fio condutor desta ida de Bergoglio, com novo significado no atual contexto histórico e geopolítico marcado pela violência e pelo fanatismo religioso. Será um “sinal em contraste com o daqueles que hoje usam a religião para destruir o mundo”, afirma o rabino, identificando alguns desafios perante os quais os judeus e os cristãos podem falar “a uma só voz” – principalmente sobre vida e dignidade humana. Segue a entrevista.

 Quais são expectativas pela visita do papa, de sua parte e da comunidade judaica de Roma?
Riccardo Di Segni: É um encontro importante, nunca ordinário, embora seja o terceiro. O próprio fato de que ele seja o terceiro papa a visitar a sinagoga significa que há uma consolidação da tradição e a comunidade está esperando por ele com gratidão por este gesto de simpatia em relação a nós. Isso indica, num cenário muito maior que o local, um desejo de dois mundos religiosos de estabelecer e consolidar relações pacíficas em relação aos exemplos negativos e mortais que chegam de outros horizontes religiosos.
 Como podemos enquadrar esta visita do papa num momento histórico tão marcado por extremismo, violência e fanatismo religioso?
Riccardo Di Segni: É um sinal em contraste com o daqueles que usam a religião para destruir o mundo. Nós queremos usar a religião para fazer algo de bom.
A visita também acontece por conta de um convite que o senhor fez ao papa…
Riccardo Di Segni: Sim, era um convite necessário, formulado cedo para que pudesse ser programado com calma, sem urgência. Com o papa Francisco, desde a sua eleição, temos uma relação cordial. Pudemos conversar com bastante frequência, inclusive por telefone. Eu sempre encontrei, de parte dele, uma grande disponibilidade para ouvir.
 Também eram boas as relações com Bento XVI, a quem o senhor expressou alta estima em várias ocasiões…
Riccardo Di Segni: Sim, temos boas relações. Nós nos vimos mais desde a renúncia, mas intercambiamos correspondência com frequência.
 E com João Paulo II? O senhor esteve presente na visita histórica de 16 de abril de 1986 à sinagoga, um divisor de águas no diálogo judaico-cristão. Quais são as suas lembranças?
Riccardo Di Segni: Sim, eu estava no meio do público como um espectador impressionado daquilo que estava acontecendo. É claro que foi preciso tempo para introjetar e entender o significado daquele momento. Eu pude depois conhecer João Paulo II mais de perto e ter uma proximidade direta com ele. Em particular, eu me aproximei dele quando ele já estava sendo muito provado pela sua doença…
 Sempre com a memória voltada para a visita de 1986, se o senhor tivesse que fazer um balanço dos últimos 30 anos, o que aconteceu? Houve uma mudança? Para melhor ou para pior?
Riccardo Di Segni: Eu diria que houve uma melhora constante, graças à clarificação de questões abertas. Houve incidentes, mas sempre houve também as maneiras de enfrentá-los e resolvê-los. Sempre que possível…
 Mesmo com o papa Francis houve “incidentes”?
Riccardo Di Segni: Eu não diria nesses termos.
 As “críticas” de sua parte a alguns dos ensinamentos do papa, que alguns meios de comunicação informaram nos últimos meses, eram então sensacionalismo midiático?
Riccardo Di Segni: O que fazem alguns jornalistas não me importo. Que Deus tenha misericórdia deles. Especialmente neste Jubileu da misericórdia…
 Sobre o Jubileu, é um evento que tem origens na cultura judaica. Como a comunidade judaica romana o está vivendo?
Riccardo Di Segni: O Jubileu, tal como é comemorado, é um evento absoluta e totalmente cristão, que nós, mesmo assim, consideramos com respeito e atenção.
 No mês passado, a Comissão Vaticana para as Relações Religiosas com o Judaísmo preparou um documento para o 50º aniversário da Nostra Aetate, que afirma que, “com as devidas reservas”, pode-se chegar a falar de “diálogo intrarreligioso” ou “intrafamiliar” entre cristãos e judeus. O senhor compartilha essas expressões?
Riccardo Di Segni: O documento, que é um documento extremamente importante, representa o ponto de vista da teologia cristã. O fato de sublinhar a relação entre o cristianismo e o judaísmo é importante em comparação com a história precedente. E, assim, neste sentido, podemos dizer que estamos satisfeitos.
 É recíproca, então, essa interpretação fraterna da relação?
Riccardo Di Segni: Que existe uma relação de fraternidade não há dúvida. As questões teológicas, por outro lado, não são recíprocas, mas diferentes por natureza.
 Na sua opinião, quais são os aspectos do diálogo entre judeus e cristãos que ainda precisam ser aprofundados e desenvolvidos?
Riccardo Di Segni: Há muitas áreas de atividade, para além do puramente teológico, que ainda têm de se realizar: projetos paralelos ou comuns nos quais há bastante a se trabalhar.
 O senhor pode ser mais específico?
Riccardo Di Segni: Sim. Nós sempre dizemos que temos de trabalhar em conjunto. Mas… o que é que temos de fazer juntos?
 O senhor me diga…
Riccardo Di Segni: É uma questão em aberto sobre a qual refletir. Quais são os valores que devem ser apresentados para a sociedade? Quais os modelos? A primeira coisa é que conversamos, o que é um sinal importante no momento histórico que estamos vivendo.
 Por exemplo, existem temas atuais em que cristãos e judeus podem falar a uma só voz?
Riccardo Di Segni: A uma só voz, depende dos temas… Certamente, a defesa da vida e da dignidade humana são questões fundamentais em que podemos e devemos avançar juntos.
Há também a defesa da família. Recordo que, no último 20 de junho, o senhor enviou uma mensagem aos participantes da manifestação na Praça San Giovanni in Laterano…
Riccardo Di Segni: É verdade, eu enviei uma mensagem, mas não foi uma mensagem de adesão, e sim uma mensagem que convidava ao diálogo. É diferente.
A comunidade judaica está disposta a dar algum tipo de apoio ou de proximidade na próxima manifestação contra o projeto de lei sobre uniões civis que está em preparação em Roma?
Riccardo Di Segni: Não sei do que se trata. Vamos ver…
 Falávamos inicialmente de manifestações de violência e perseguição religiosa. Em Israel continuam ocorrendo vários atos de vandalismo e pichações blasfemas contra cristãos. Para o senhor, quais são as raízes desse ódio crescente?
Riccardo Di Segni: Antes de tudo, eu reitero a minha condenação a esses são gestos que são isolados e que não podem ser justificados. Eles surgem de um contexto dramático e fazem parte de um quadro mais geral de distúrbio da sociedade, que está “envenenada” por um conflito. Temos que trabalhar também nisso.

Por Salvatore Cernuzio - Fonte: Zenit.

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