sexta-feira, 10 de julho de 2009

Deus é o artista e nós somos a tela



Entrevista com o diretor internacional dos Patrocinadores das artes nos Museus vaticanos

Após sete anos de trabalho de restauração, o Papa Bento XVI inaugurou com as vésperas solenes a Capela Paulina em 4 de julho de 2009. Esta capela, reservada aos Pontífices, se encontra muito próxima da Capela Sistina e contém as últimas obras mestras de Michelangelo, pintadas entre 1542 e 1550: “A crucifixão de Pedro” e “A queda de Saulo”.
Os trabalhos de restauração foram possíveis também graças à ajuda dos Patrocinadores das artes nos Museus vaticanos cujo diretor internacional é o Pe. Mark Haydu, L.C. Por este motivo ZENIT entrevistou o Pe. Mark, norte-americano, sobre a relação entre a arte e a fé.
– Pe. Mark, como começou seu interesse pela arte sagrada?
– Pe. Haydu: Uma imagem como esta de um pintor do século XVII chamado Johannes Vermeer me abriu as portas do mundo da arte. Me ensinou a buscar a mensagem profunda que uma obra de arte pode esconder. Me ajudou a dar-me conta de que a pessoa que se aproxima da arte pode sair enriquecida, e vi que a arte é capaz de abrir uma dimensão espiritual e de comunicar verdades que de outra forma talvez não se conseguiria.
– No quadro aparece uma senhora pensativa com uma balança em suas mãos em um quarto desordenado, o que mais este quadro nos diz?
– Pe. Haydu: O primeiro passo seria analisar os elementos da composição para ver o que nos dizem do autor, de suas intenções e de seu estilo. Mas parece-me que sua pergunta vai para o significado profundo do quadro. Quando aprecio um quadro não só me pergunto o que o autor quis comunicar, mas sobretudo o que esta obra diz me diz. Isso é o belo de uma obra de arte: fala uma linguagem universal, ou seja, o idioma da beleza. Por exemplo, neste quadro vemos como o peso está recarregado para o lado direito; isso consegue que nossa atenção se centre ali. A luz que entra pela janela na parte esquerda, de alguma forma, equilibra a cena. É o interior de um quarto, e é um momento cotidiano que nós “invadimos”. Vermeer nos introduz em um momento pessoal e privado na vida desta pessoa. Detrás da mulher vemos uma pintura que representa o juízo universal. Esta mulher se dispõe a equilibrar suas pérolas. Podemos intuir que as pérolas fazem referência a seus tesouros terrenos e esta mulher o analisa sob a luz do juízo universal, de seu destino eterno. Há um balanço de sua vida e do que possui frente à eternidade. Isto, por exemplo, pode nos ajudar a ver que o homem é livre de refletir sobre o que quer fazer com sua vida, mas que é importante fazê-lo à luz da eternidade que espera a todos nós. A luz que recai sobre a mulher ilumina sua cabeça, mas também seu peito, indicando desta forma que a decisão que deverá tomar está, sim, na mente; mas, sobretudo, em seu coração. É ali onde se dão as decisões do homem. A mente as pensa, o coração as põe em movimento.
– E como consegue descobrir tudo isto?
– Pe. Haydu: Depois de fixar-se sem pressa na forma, o conteúdo, as cores, os elementos, é muito importante perguntar-se: “por que o autor o fez assim e não de outra forma?”. É tratar de penetrar a mente do artista. Um artista pode criar o que quer, e isso pode nos fazer pensar também no primeiro que faz arte: Deus.
– Deus, artista?
– Pe. Haydu: Sim, Ele é o Artista por excelência. A criação do mundo e do homem, que Michelangelo celebra com seus afrescos na abóbada da Capela Sistina, não é uma obra maravilhosa e incomparável de arte? E além da natureza, podemos ver a maravilha de Deus Artista em nós mesmos. Nós somos a tela. Com nossa livre cooperação o Senhor vai desenhando a obra de arte que é nossa vida. Depois podemos olhar para trás e perguntar: por que as coisas foram assim? Quando analisamos um quadro descobrimos a mão do artista, intuímos qual foi sua ideia e o que quis pintar. Da mesma maneira, ao ver nossa vida, podemos descobrir a mão de Deus: nossa vida foi assim porque seu Artista assim o permitiu, assim o quis, e então nos damos conta de que não é fruto da casualidade ou da fatalidade, mas que detrás está a mão amorosa de Deus.
– O que a arte sagrada busca?
– Pe. Haydu: A arte sagrada trata de elevar a alma para Deus. Quer transmitir a mensagem da fé, explicá-la, compartilha-la. Por isso, ante a arte sagrada uma pessoa não pode passar como um simples turista. “Todas as grandes obras de arte, todas as catedrais – as catedrais góticas e as esplêndidas igrejas barrocas – são um sinal luminoso de Deus e, por isso, uma manifestação, uma epifania de Deus (...) Ao contemplar as belezas criadas pela fé, constatamos que são simplesmente a prova viva da fé”. Estas palavras foram ditas pelo Santo Padre no verão passado em seu encontro com os sacerdotes da diocese de Bolzano-Bressanone.
– Alguns dizem que tantas artes nas igrejas apenas causa distração. É assim?
– Pe. Haydu: Se não se sabe “ler” a arte, pode ser que se distraia, mas se a vê como um caminho para Deus, acontece o contrário. A arte faz referência ao que a liturgia celebra e proclama, e isto é uma ajuda. Podemos, por exemplo, ver os quadros de uma igreja que mostra as vidas dos santos e pensar que todos esses santos ofereceram sua vida por Cristo; e desta contemplação poderíamos passar ao propósito de querer ser santos também. Ou voltar o olhar ao Santíssimo Sacramento e pedir a graça de ser santos. Trata-se, portanto, de unir com uma mesma ponte duas coisas que podiam parecer separadas. A arte pode também ser uma valiosa ajuda para o fervor quando o peregrino não fala a língua do país no qual se encontra a igreja que visita: o peregrino poderá apreciar a arte e recordar as pregações que escutou sobre as cenas da vida de Cristo ou dos santos que se encontram representados nessa igreja. A arte está aí para ajudar-nos a rezar, não só para que a vejamos e saiamos como entramos.
– Como as pessoas que visitam a arte de Roma?
– Pe. Haydu: Com frequência podemos encontrar duas atitudes. Uma é a do turista que acumula experiências para depois comentá-las com seus familiares e amigos: “Passei pelas quatro basílicas de Roma”; “fui aos Museus vaticanos”; “vi isto e aquilo”; “que bonito estava tudo aquilo...!”, e pronto. Daí não passa. A outra atitude é a do peregrino. É alguém que quer fazer uma pausa na vida, analisar sua alma diante de Deus, sair enriquecido. É alguém que busca uma graça: uma mudança de vida... Eu creio que hoje em dia as pessoas que vêm visitar estes lugares buscam isso. Precisam que a arte as eleve para Deus. A arte sagrada pode ser o meio que propicie a conversão do coração para quem é o Autor da Beleza. E a arte põe o homem diante de Deus, o leva a ver sua vida à luz das realidades eternas e transcendentes. De fato, uma das tarefas principais dos Patrocinadores das artes nos Museus vaticanos é restaurar as obras para que sua inspiração e impacto originais sejam mais evidentes. Desta maneira, os que vêem estas obras podem apreciá-las em toda sua beleza. O impacto pode ser a diferença entre o que vê a obra como turista e o que a vê como peregrino. E quando as pessoas fazem este clique, tudo muda. Um mundo novo se abre, como foi em meu caso com aquele quadro de Vermeer.
– O que recomenda aos turistas ou peregrinos que visitam a arte de Roma?
– Pe. Haydu: Que venham e descansem não só para distrair com tanta beleza artística, mas que tratem de descobrir Cristo, a mensagem de fé que há detrás de cada obra de arte cristã. Que façam não só uma rota turística mas também um caminho de fé. Neste sentido pode ser uma ajuda pedir que quem dirige as explicações das obras de arte lhes ajude também a fazer uma experiência de fé.
– Como os guias podem ajudar os visitantes de Roma?
– Pe. Haydu: Os guias são sobretudo historiadores da arte. O guia cristão busca também transmitir o fundo humano, cristão e espiritual que há detrás de cada obra de arte. De fato já há numerosos guias aqui em Roma e em outros lugares que assim o fazem. Penso que a missão do guia cristão é a de ser ponte entre Deus e a arte. É quem ajuda os que apreciam a arte a conhecer as explicações artísticas e também encontrar a fé, com o Evangelho e com Cristo. Lhes falará das ideias que os artistas queriam transmitir. O guia cristão por um lado conhece bem a história e os aspectos técnicos de cada obra, e por outro lado busca comunicar aos turistas e peregrinos ideias que lhes ajudem a apreciar melhor a arte e crescer humana e espiritualmente. Desta maneira, os visitantes se lembrarão sempre daquele tour guiado de Roma, porque não levarão apenas dados científicos e históricos que se esquece com o passar do tempo, mas algo mais: uma experiência de aproximação de Deus. Isso nunca se esquece.
– Quem pode colaborar com os Patrocinadores das artes dos Museus vaticanos?
– Pe. Haydu: Qualquer pessoa que queira somar-se ao esforço de conservar em seu estado mais perfeito o patrimônio artístico dos Museus vaticanos, de preservar estes valiosos elementos do patrimônio universal e de criar uma cultura cristã do homem e da arte. Para mais informação pode visitar nossa página: http://www.vatican-patrons.org/

Fonte: Zenit.

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