Quanto vale um avião derrubado? Quanto valem as armas utilizadas nos inúmeros conflitos em andamento? Quanto valem as tantas vítimas da violência ceifadas a cada minuto pelo mundo afora? A vida é vilipendiada, transformada em mercadoria, transformada em espetáculo. Multiplicam-se as imagens que correm o mundo, nas quais os modernos equipamentos eletrônicos registram e divulgam os assaltos, assassinatos, uso e abuso de drogas e outras cenas diante das quais corremos o grave risco de ficar acostumados e acomodados. Muitas pessoas ficaram estarrecidas com cenas recentemente divulgadas, nas quais se via o tráfico de drogas aberto e sem qualquer controle das autoridades. Mais ainda nos assustamos quando esta gravíssima chaga social pode vir a ser legalizada! Estamos vivendo no olho do furacão de uma mudança de época, na qual os valores são postos em cheque e todos são conduzidos, na boa vontade ou na força, a rever seus critérios e tomar novas decisões. Sem alarmismos, é bom saber que o tempo da decisão agora é nosso.
Há alguns anos difundiu-se uma inspirada canção do Padre Zezinho, chamada “Vocação”. Se a seu tempo foi uma voz profética, continua a ressoar hoje com mais força ainda, provocando decisões e escolhas de valores: “Se ouvires a voz do vento chamando sem cessar, se ouvires a voz do tempo mandando esperar, a decisão é tua, a decisão é tua. São muitos os convidados, quase ninguém tem tempo. Se ouvires a voz de Deus chamando sem cessar, se ouvires a voz do mundo querendo te enganar, a decisão é tua, a decisão é tua. São muitos os convidados, quase ninguém tem tempo. O trigo já se perdeu, cresceu, ninguém colheu, e o mundo passando fome, passando fome de Deus. A decisão é tua, a decisão é tua. São muitos os convidados, quase ninguém tem tempo!”
Consideradas as devidas proporções, todas as diversas eras na história da humanidade se envolveram em grandes crises. Muitos regimes caíram, não apenas pelas circunstâncias políticas ou econômicas, mas corroídos por dentro em suas escolhas humanas, com as quais se desgastaram, na corrupção dos costumes. A busca desenfreada das posses e riquezas a qualquer custo, a sede do prazer e a ânsia do poder foram e ainda são os grandes e destruidores ídolos. Do grande e definitivo evento da salvação operada pelo Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo para cá, a Igreja tem anunciado o Reino de Deus, que corresponde à grande paixão da pregação do Senhor. Surgem, crescem, consolidam-se e entram em decadência os muitos reinos do mundo e todos eles, sem exceção, confrontados com os valores do Reino de Deus podem ser revistos ou superados.
Onde está o Reino de Deus? Como se manifesta a sua força? O que muitas pessoas chamaram de minorias abraâmicas está presente no meio do mundo. Há muitas pessoas e grupos que acolhem de bom grado a Palavra de Deus. Alguns, no escondimento e no anonimato, usam critérios diferentes, plantam sementes de uma vida familiar sólida, acolhem de bom grado o dom da vida, sem se desfazerem da prole, outros tantos mantêm as mãos limpas e o coração puro (Cf. Sl 14), porque decidiram entrar na Casa do Senhor. Diante da mudança de época, diante das crises e fragilidade das instituições, cada pessoa deverá fazer suas escolhas: “Buscai, pois, o seu Reino, e essas coisas vos serão dadas por acréscimo. Não tenhas medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar a vós o Reino. Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para vós bolsas que não se estraguem, um tesouro no céu que não se acabe; ali o ladrão não chega nem a traça corrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração” (Lc 12, 32-34).
Jesus compara o Reino a um tesouro escondido num campo (Cf. Mt 13, 44-52). Encontrá-lo é a alegria da vida de um homem. A beleza do encontro e a alegria de ter descoberto o sentido para a existência fazem com que a pessoa abandone tudo o que foi sustento para a sua vida em vista do tesouro maior. Acontece, simplesmente! É presente de Deus, que vem ao encontro da pessoa. Vender tudo o que se possui é atitude corajosa de quem, no meio de tantas possibilidades, escolhe os valores do Reino de Deus, reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de Justiça, de amor e de paz. Ficam para trás todas as mesquinharias que atraíram seu coração e seu olhar, invertem-se suas prioridades, torna-se livre para olhar para frente e para o alto.
Mas o Reino de Deus é também comparado a um comerciante que procura pérolas preciosas. Também este vende tudo para adquirir o que corresponde à sua busca. Numa época em que o “sonho de consumo” é usado e abusado, para que pessoas de todas as idades gastem até o que não têm para realizá-lo, o Evangelho fala de outras riquezas. Dependendo de quanto o discípulo de Cristo foi tocado pelo Reino de Deus, mais se sente seguro e tomará decisões que mudarão o rumo de sua vida.
Encontrar e procurar! Duas atitudes plenamente humanas, correspondentes à riqueza do dom de Deus, que não nos fez para a mediocridade nem para o acomodamento. Fomos criados pelo Senhor para edificar o mundo olhando para o alto, no modelo de vida de Deus, que é Pai e Filho e Espírito Santo. Mirando em Deus, encontraremos também aqui na terra a plenitude da realização e da alegria. Ninguém entende tanto de humanidade quanto o Senhor, pois por Ele fomos criados e nem nos realizaremos, andando inquietos enquanto nosso coração não repousar em seu regaço.
No Evangelho de São Mateus, o magnífico Sermão das Parábolas se encerra com uma consoladora e provocante palavra, precedida da lição sobre a rede lançada no mar da existência, enquanto durar o tempo desse mundo. Até lá, quem se deixa instruir “nas coisas do Reino”, tirará dos tesouros da vida o que existe de melhor, do novo e do velho, exercendo a sabedoria que é dom do próprio Deus. Não terá medo das mudanças e nem se abalará com todas as eventuais convulsões de seu tempo, pois terá escolhido o que existe de melhor, para oferecer à humanidade sua contribuição, seu inigualável tesouro.
É ao Senhor que podemos pedir tantas graças: “Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo; redobrai de amor para conosco, para que, conduzidos por vós, usemos de tal modo os bens que passam, que possamos abraçar os que não passam”.
Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará.
Fonte: Zenit.