Por Elizabeth Lev
Em 1440, a imprensa distribuiu ao mundo, em massa, livros que transformariam e enriqueceriam a vida do homem para sempre. Isso deu origem aos impressos avulsos, sendo os primeiros jornais. E, nessa linha, o ensaio (artigo de opinião) nasceu sob a forma de panfleto.
Os intelectuais renascentistas tinham muito a escrever. No turbulento período da Reforma, muitas pessoas perderam seus líderes espirituais e se voltaram para a leitura das sofisticadas obras literárias desses experts.
A heresia apareceu lado a lado com a sã doutrina, e a confusão estava completamente espalhada. As pessoas podiam ler Calvino um dia e “A Defesa dos Sete Sacramentos” no outro. Como a Igreja foi desafiada na essência de seus ensinamentos, os fiéis sentiram-se à deriva e inseguros, e certos intelectuais viram a oportunidade de fazer nome envolvendo-se em questões do momento, sem promover verdadeiramente em debate teológico.
Erasmo de Rotterdam foi um desses. Embora ele fosse reconhecido como católico durante toda a Reforma, suas escritas e sátiras causaram muitas incertezas, ao ponto em que a renovação católica da geração seguinte o culpou por ter causado danos que eclodiram na Reforma.
Este ano marca o 500° aniversário da sátira mais célebre de Erasmo, "Elogio da loucura", onde ele empresta sua caneta para registrar as queixas dos reformadores, expondo a figura de papas, teólogos e religiosos (entre muitos outros) ao ridículo. O livro é escrito pela Loucura, em primeira pessoa (uma mulher, claro), exultando seu domínio e suas vitórias.
Erasmo, abençoado com uma excelente formação humanística, mobilizou seu excelente latim e seu dom em ser ágil para dar respostas prontas em assuntos polêmicos. Apesar dos problemas enfrentados pela fé católica e em um tempo no qual os protestantes clamam pela "mudança", ele desmotivou e desencorajou muitos de seus companheiros católicos.
O tratamento de Erasmo pelo Magistério Papal como uma consideração secundária desempenha um papel crucial em enfraquecer a autoridade do papado. Firme nas suas próprias razões e em sua genialidade, nunca ocorreu ao Erasmo procurar conselhos de Roma a fim de saber como seus escritos poderiam afetar aqueles que estavam em confronto contra as forças do protestantismo. Lendo seu trabalho, alguns católicos desavisados pensavam que aquela crítica explícita à Igreja era a ordem do dia.
O legado de Erasmo ilustra os perigos de reduzir a doutrina na abordagem das grandes questões do dia. Embora a Eucaristia estivesse sendo rejeitada e profanada a partir de uma extremidade à outra da Europa, Erasmo se divertiu com aqueles que tentaram explicar a transubstanciação. Deixando de lado o papel da teologia na Igreja, ele se jogou diretamente nas mãos dos dissidentes protestantes, que o consideraram um dos seus.
Esse tipo de “loucura” conduziu a trágicas conseqüências, no caso de Erasmo. Em 1535, seu amigo e antigo correspondente, Sir Thomas More, foi decapitado na Inglaterra. Os dois colegas tinham chegado a uma encruzilhada. O Rei Enrique VIII tentou coagir Thomas More a agir contra sua fé e consciência, negando o Magistério. Thomas não podia. Erasmo ficou quieto.
A caneta rápida de Erasmo ficou sem tinta durante o julgamento, a prisão e o assassinato de seu amigo Thomas More. Paralisada por covardia ou ideal, deve ter sido doloroso.
Sem dúvida, com a sua perspicácia e brilhantismo, Erasmo esperava desempenhar um papel crucial nos marcos históricos de seu tempo. Mas ele não tinha a clareza de consciência e de desejo de verdade que caracterizou o seu amigo Thomas More.
Erasmo se confortou por ter escrito aquela “loucura” e tomou um caminho fácil para o perdão, lançando culpas em erros e insensatez da juventude. Mas, enquanto São Thomas More irá ser homenageado nos altares em sua festa de 6 de julho, Erasmo será sempre lembrado como aquele que rabiscava enquanto Roma queimava.
[Elizabeth Lev ensina arte cristã e arquitetura no campus Italiano da Universidade de Duquesne e no programa de estudos católico da Universidade de St. Thomas]
Fonte: Zenit.
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