Os cristãos são chamados a viver nesta terra, obedecer as leis e superá-las com a lei maior da caridade, derramada nos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Tudo o que se disser a respeito do patriotismo e do exercício da cidadania pode sempre passar por um processo de aperfeiçoamento contínuo, pois não temos aqui estadia permanente, mas estamos em busca daquela que há de vir (Cf. Hb 13, 14-21). Daí que a impostação de sua presença no mundo comporta uma sadia inquietação, que podemos chamar de espírito crítico, a ser exercitado sem azedume nem revolta. É que o sonho do cristão tem nome de "Reino de Deus"!
Muitas atitudes até justificáveis pela gravidade dos problemas sociais podem gerar um acirramento no trato dos mesmos, a ponto de transformar em ódio os eventuais conflitos de contrários, ou mais ainda, situações de ângulos diferentes, possíveis de se ajustarem em vista do bem comum. Esta é uma contribuição que os cristãos desejam oferecer ao exercício da cidadania. Enxergar os problemas a partir dos interesses comuns, superando uma sempre tentadora luta de classes, que alguns já viram como única via para a superação das mazelas da humanidade nos decênios passados, com resultados sempre desastrosos. A busca do que constrói a vida das pessoas e da coletividade, o diálogo sereno, com a capacidade de verificar a validade das contribuições alheias e o necessário acolhimento das mesmas, pode ser a estrada para a edificação do desejado mundo novo.
O sadio patriotismo leva à bonita emoção que envolve a todos os brasileiros. Basta lembrar o quanto toca em nosso brio pessoal o canto do Hino Nacional, a bandeira hasteada nas solenidades, ou soldados garbosos em seus desfiles que deixam pais e mães orgulhosos. Os benefícios sociais alcançados pelas comunidades, as conquistas dos mais excluídos, a casa própria adquirida com tanto esforço, a vitória dos jovens que acedem às Universidades, o primeiro trabalho ou o primeiro salário, tudo isso é construção de um mundo digno e respeitoso para todos.
Entretanto, o patriotismo tem seu contraponto no exercício de gestos de cidadania. A reflexão que agora proponho veio da indignação de um jovem diante do desleixo com que se joga lixo na rua. Fez-me pensar no respeito às leis de trânsito, o cuidado com nossas praças e áreas de lazer, assim como a resposta que pode se dada às situações críticas de nossa região e do mundo. Patriotismo significa amar a terra em que vivemos, valorizar a natureza que é dom de Deus e, mais ainda, o respeito à vida das pessoas, a serem amadas com amor de caridade e com quais podemos merecer a presença do Senhor, “pois onde dois ou mais estão reunidos em seu nome, ele está presente” (Mt 18, 20).
Cidadania é ainda a participação nas atividades comunitárias e a valorização de iniciativas nas ruas e bairros. As campanhas organizadas em vários períodos do ano pela Cáritas ou as diversas Obras Sociais existentes, pedem resposta e participação. Edifica muito o envolvimento das pessoas especialmente quando se trata de promover e apoiar as crianças. Se tantas vezes lamentamos e nos indignamos com a violência, há que reconhecer a solidariedade que se estabelece diante do sofrimento de pessoas e grupos.
Cidadania é presença, e pode se transformar em exercício da caridade. Tenho proposto a pessoas e grupos que a criatividade se exercite na sensibilidade correspondente aos dons recebidos. Uma pessoa pode visitar semanalmente os hospitais, outra vai ao presídio, uma terceira se coloca à disposição para levar os doentes aos hospitais. Cada um olhe ao seu redor e descubra seu jeito de ser presença.
Um dos âmbitos decisivos do exercício da cidadania é o engajamento dos cristãos leigos na política partidária. Sabemos que a Igreja Católica é muitas vezes incompreendida e julgada por não cerrar fileiras com os diversos partidos e grupos existentes. Acontece que ela é discípula e mestra na história. Noutras ocasiões, a escolha de lados na política só trouxe prejuízos, não só para a própria Igreja, quanto para a própria sociedade. Houve também clérigos que se aventuraram em pleitos eleitorais, contribuindo infelizmente apenas para a divisão entre os fiéis. Cabe à Igreja estimular os homens e mulheres vocacionados à política, oferecer-lhes a formação adequada e ajudá-los a se comprometerem, não em jogos de vis interesses, mas no compromisso com os valores do Evangelho.
Na proximidade das eleições, a Arquidiocese de Belém abriu espaço em seus meios de Comunicação, através da Fundação Nazaré de Comunicação, para os vários candidatos ao governo do Estado do Pará apresentarem suas propostas e planos de trabalho. De nossa parte oferecemos elementos para as decisões dos eleitores. Entretanto, estão em jogo os cargos de Presidente da República, Senadores, Deputados Federais e Estaduais. Ato de inteligência e de cidadania consciente é a busca do conhecimento as possíveis pessoas a receberem nossos votos. Há bandeiras fundamentais que correspondem às convicções dos cristãos, como o respeito à vida, desde a concepção até seu ocaso natural, o valor do matrimônio entre homem e mulher, a liberdade religiosa, ou a citada luta pelo bem comum, com a consequente batalha contra a corrupção. A análise da vida dos candidatos ou candidatas, na verificação de sua experiência e dedicação ao bem da sociedade, ou ainda, o discernimento que leva a identificar a existência de interesses menores e até escusos em possíveis candidaturas, são ângulos que se abrem para a necessária preparação às eleições. Será ainda exercício de cidadania acompanhar o desenrolar dos mandatos dos eleitos, para construir, pouco a pouco, um país melhor e mais digno para seus filhos.
Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
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