Um "novo começo" para a civilização ocidental e cristã após o "colapso das evidências" no tocante à mãe de todas as liberdades: a liberdade religiosa. Este e muitos outros temas são tratados pelo Pe. Julián Carrón, presidente da Fraternidade Comunhão e Libertação, em seu mais recente livro, “A beleza desarmada”. O livro foi apresentado neste mês, no Vaticano, pelo autor e pelo cardeal Jean-Louis Tauran, presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, junto com o presidente emérito da Câmara dos Deputados da Itália, Luciano Violante.
ZENIT conversou com Carrón, que fez um balanço dos seus dez anos à frente do movimento e do legado de Luigi Giussani. O sacerdote espanhol de 65 anos afirmou que não há nenhuma "virada religiosa" na Comunhão e Libertação em detrimento do compromisso político e civil. Na verdade, o movimento está passando por um processo de "personalização da fé", para que ela robusteça a imersão do homem na realidade e na novidade que Cristo traz à vida de cada um.
Pe. Carrón, este ensaio pode ser considerado uma espécie de “summa” dos seus dez anos como presidente da Fraternidade da Comunhão e Libertação?
Pe. Carrón: Sim. É uma tentativa de compartilhar a nossa experiência com tantas outras pessoas que estão enfrentando os mesmos desafios. Quem sabe, este caminho que nós percorremos possa ser útil para os outros.
O que o senhor quer dizer, no primeiro capítulo, ao falar de "novo começo"?
Pe. Carrón: Quero dizer um novo começo diante do colapso de muitas evidências com a crise econômica, a emergência educativa etc. Diante da fadiga reconhecida pelos expoentes da cultura, é possível recomeçar a partir desta situação. Estou convencido de que este novo início é possível, que podemos encontrar o que nos fará recomeçar.
Uma expressão-chave do livro é justamente "o colapso das evidências"...
Pe. Carrón: É uma expressão que eu tomei de um texto de Bento XVI. O papa emérito lembrava que na época do Iluminismo, depois das guerras de religião, a grande unidade europeia estava despedaçada. Pensava-se que os valores partilhados por todos os europeus, os valores da tradição cristã, poderiam permanecer como fundamento do "novo começo", mas fora dos conflitos religiosos. Acreditava-se que, separando-os dos elementos religiosos, aqueles valores poderiam durar. Depois de alguns séculos, vemos que, como reconheceu o papa Bento XVI, aquela tentativa de conservar para sempre alguns valores compartilhados por todos falhou.
E o que se entende por "verdade na liberdade"?
Pe. Carrón: É um notável passo em frente na autoconsciência da Igreja. Em seu célebre discurso à Cúria Romana em 2005, Bento XVI enfrentou alguns dos pontos-chave do Concílio Vaticano II, entre eles o da liberdade religiosa. A Igreja tinha se aprofundado na reflexão sobre a relação entre verdade e liberdade. A reivindicação da liberdade é uma questão muito moderna e a Igreja não chegou à liberdade religiosa simplesmente por não ter sido capaz de convencer as pessoas da verdade do cristianismo, mas porque não há nenhuma relação com a verdade se não houver a liberdade religiosa. Este é um aspecto de como nós, cristãos, podemos oferecer a verdade, que é crucial. Por isso, o título do meu livro dá esta sugestão numa época como a nossa. Somente se o homem encontrar a verdade desarmada, sem nenhum outro poder externo que não seja o da própria verdade, somente assim é que a atratividade da verdade vai poder se adequar à sensibilidade moderna e à única autêntica relação com a verdade, que é a liberdade.
Qual é o seu balanço dos dez anos à frente da Comunhão e Libertação?
Pe. Carrón: Estes dez anos têm sido para mim uma aventura fascinante e uma graça para todos nós, por todos os desafios que enfrentamos, que, no fim, são os desafios de todos. Para nós, foi a oportunidade de ver como é valioso o que recebemos de Dom Giussani para lidar com estas situações; isso nos dá a capacidade de compreender os fenômenos que estamos vivendo, sem sucumbir à confusão, sugerindo-nos como lidar com eles. Nós mesmos ficamos maravilhados.
A herança de Dom Giussani é “pesada”?
Pe. Carrón: Para mim, Dom Giussani sempre foi um pai, apesar de eu não ter tido uma convivência assídua com ele porque eu vivia na Espanha. Mas os seus escritos foram decisivos para mim, por causa de um modo de estar no real que foi marcado pelo relacionamento com ele e com tudo o que ele propôs, principalmente como forma de conceber o cristianismo, como proposta cristã, como possibilidade de verificação da fé. Aspectos que, num momento como este, são cruciais.
A mídia falou muitas vezes de uma suposta "virada religiosa" no movimento sob a sua liderança, depois de anos de compromisso político e social. Quanto há de verdadeiro nisso?
Pe. Carrón: Em 7 de março, na audiência com o papa Francisco, nós lhe colocamos esta pergunta. E recebemos uma resposta que está na mesma linha do que sempre tentamos fazer. Pela condição que recebemos, não temos a intenção de renunciar ao nosso compromisso. O cristianismo tem a ver com todos os aspectos da realidade: trabalho, família, cultura, política. Nós temos outra maneira de conceber a fé. Como diz São Paulo, "estejamos acordado ou dormindo, vivemos com Ele" (1 Tessalonicenses 5,10). Deus tem a ver com tudo. Nós não queremos renunciar ao nosso compromisso na sociedade. Mas, para poder cumpri-lo, disse o papa, temos que ter certeza de Cristo, ou, para colocar com as palavras de Dom Giussani, precisamos da "personalização da fé". A CL vai no caminho dessa personalização da fé, que lhe permite estar na realidade com a novidade que Cristo introduz na vida.
Os desafios da família, em particular, como devem ser vividos pelos cristãos de hoje?
Pe. Carrón: Se a fé é vivida realmente a sério, ela é capaz de atender a todo o desejo de plenitude de uma pessoa quando encontra outra. Se o amor é mais do que um início explosivo e brilhante, então ele pode durar para sempre. Esta é a contribuição que o cristianismo pode dar à família, assim como a tantos aspectos da vida.
Fonte: Zenit.
Nenhum comentário:
Postar um comentário