Morri. Puxa, tinha um medo enorme de morrer! Não sabia o que iria encontrar deste lado. Estou no além, ou melhor, sou no além, pois a condição fúnebre é permanente. Agora é tarde, sou morto. Era tão apegado à vida, em que pesem às desilusões e à rotina. Ah! A rotina! Como a rotina me dilacerava! Aqui, no além – se é que posso me expressar assim – não há tempo. Tudo é um instante!
E os livros? Onde estão os livros que eu gostava tanto de ler? Uma das poucas coisas que me davam prazer em vida... No além, não há leitura, apenas uma eterna e momentânea contemplação. Não adianta tentar descrever o que sinto e vejo “agora”, com os olhos da alma (o advérbio “agora” é tempo; paradigma de quem vive). É impossível descrever. Aliás, está escrito na bíblia que entre os que somos aqui e os que estão aí na existência terrena, surge uma distância intransponível.Não sinto saudades de nada. A propósito, não sinto nada. Quando vivo, não degustava absolutamente nada também. Os dias já não faziam sentido; eram uma sequência interminável: acordar, estudar, trabalhar, dormir, acordar...
A única coisa que percebo de maneira clarividente, alumiado por um enorme archote, que dista tanto de mim, é que em vida poderia ter amado mais as pessoas. O desamor, ou melhor, a falta da prática do amor causou em mim um vazio sem fim. Este vazio me acrisola e me purga na situação mortal em que me encontro. Meu Deus, o amor!
Rezem por mim, a fim de que "um dia" eu possa declarar com a bem-aventurada carmelita Isabel da Trindade: "Era uma noite tranquila, alto o silêncio; o meu pequeno navio cortava o mar. De repente, levantaram-se as ondas e o frágil navio afundou: era a Trindade que me absorvia. Refúgio encontrei naquele abismo, mergulhado para sempre no infinito. Aqui minha alma respira e adormece, vivendo com os seus 'três' no tempo eterno."
Edson Sampel
Fonte: Zenit.
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