O conhecimento progressivo de Jesus provocou muitas interrogações no coração de seus discípulos. Até hoje as opiniões se dividem em torno dele, na contínua procura do relacionamento com Deus. Mesmo as pessoas que não professam a fé são de algum modo tocadas pela sua presença e pela força de suas palavras. Os primeiros discípulos do Senhor, homens simples, vindos do mundo do trabalho, com suas expectativas interiores tantas vezes confusas inclusive pelos limites da própria prática religiosa, tiveram que aprender, pouco a pouco, para superar a visão de um messias triunfalista e acolher o Senhor que era enviado pelo Pai, cujo itinerário passava pelo mistério da dor, sempre presente e sempre incompreensível.
Depois do contato com multidões que os cercavam, chega a hora da verdade, com crises que se sucederam, através das quais Jesus os conduz ao aprofundamento do ato de fé (Cf. Mc 8, 27-35). Para alguns, cuja opinião os próprios discípulos recolheram e levaram a Jesus, este era João Batista ressurgido, quem sabe, Elias, ou algum dos profetas. Hoje ele é considerado sábio, revolucionário, até escritor, sem ter redigido um livro sequer! Jesus é por muitos acolhido na beleza de suas palavras testemunhadas pelos Evangelhos, mas o que se seguiu a ele, a Igreja, nem sempre encontra aceitação, talvez por culpa dos próprios cristãos. Mas é fato que Jesus Cristo intriga a todos que dele ouvem falar ou que se aproximam para conhecê-lo de perto. Pedro, em nome de seus irmãos, marcado pela própria história de fragilidades e incertezas, mas corajoso para dar o primeiro passo, proclama a verdade da fé: “Tu és o Messias”. Ele é chamado Cristo, Filho do Deus Vivo, é reconhecido como Senhor, Salvador, aquele que devia vir ao mundo.
O processo vivido por Pedro é muito semelhante ao nosso. É bonito dizer que Jesus é o Senhor, mais exigente é ouvir o que ele tem a dizer, quando escancara o coração, quem sabe, animado pela prontidão da resposta de Pedro: “E começou a ensinar-lhes que era necessário o Filho do Homem sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e escribas, ser morto e, depois de três dias, ressuscitar. Falava isso abertamente” (Mc 8, 31-32). Sofrimento, Cruz, incompreensões, perseguição e julgamento, enfermidades, incômodos de todo tipo, tudo fica à disposição de quem quiser! Não é necessário ser cristão para “topar” com estes muitos tropeços a cada dia. No entanto, justamente no mais profundo da experiência humana cotidiana, lá dentro do mistério da dor, é que Deus entra, dizendo que “é necessário”! É que você pode dar tantas coisas a Deus e ao próximo, começando de sua família, para chegar depois às situações mais dolorosas e absurdas desta terra. Só lá dentro da experiência da dor, quando, mais forte do que outras vozes, ressoa a voz de Deus e você consegue dizer sim, transformando a dor em amor. Ali, naquela que chamei “hora da verdade”, você se torna plenamente homem ou mulher, assume suas próprias responsabilidades, aceita não se apoiar nas muletas dos elogios ou do bom humor passageiro, numa palavra, amadurece! Você se transforma em discípulo verdadeiro, podendo repetir um dos cânticos do Servo Sofredor, e proclamar: “O Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não fiquei revoltado, para trás não andei. Apresentei as costas aos que me queriam bater, ofereci o queixo aos que me queriam arrancar a barba e nem desviei o rosto dos insultos e dos escarros. O Senhor Deus é o meu aliado por isso jamais ficarei derrotado, fico de rosto impassível, duro como pedra, porque sei que não vou me sentir um fracassado” (Is 50, 5-7).
Há opções a serem feitas pelo cristão diante dos desafios da vida. Vale começar pela disposição ao serviço. Aceitar ser servo, antes de pretender mandar em tudo e em todos, justamente num mundo que desgasta pela competição e pela corrida pelas primeiras posições, com os frutos que constatamos na crise em que nos encontramos. Ser servo significa tomar iniciativas de serviço e solidariedade, quando tudo mostra justamente o contrário, com pessoas que buscam a qualquer preço salvar a própria pele. Pedro, o apóstolo a que foi confiado o primado, quando Jesus começa a falar de cruz, assusta-se e precisa ser repreendido, por pensar as coisas de um modo tão humano que o afasta de Deus.
Chamar de Cruz, reconhecer a misteriosa presença do Senhor em todas as dificuldades, sem exceção, é ato da inteligência da fé de quem procura ver o rumo dos acontecimentos e não apenas o quadro limitado dos problemas, que parecem ser maiores do que nossa capacidade para enfrentá-los. Trata-se de não perder tempo, mas reconhecer sempre, logo e com alegria a presença misteriosa e fecunda de Jesus, na sua entrega até o abandono, experimentada na Cruz.
Diante da Cruz, descobri-la em seus dois sentidos, voltada para o alto e para a eternidade e aberta para acolher as outras pessoas. Dois amores devem se encontrar no coração de quem professa a fé cristã: amar a Deus com todas as forças, toda a inteligência e todo o afeto, amar o próximo com o amor que vem do próprio Deus, com a medida o amor de Cristo.
Estas escolhas exigentes foram expressas de modo profundo por Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, numa meditação, que tenho a alegria de compartilhar: “Tenho um só esposo sobre a terra: Jesus crucificado e abandonado. Não tenho outro Deus senão Ele. Nele está todo o paraíso com a Trindade e toda a terra com a humanidade. Por isso, o que é seu é meu e nada mais. Sua é a dor universal, portanto é minha. Sairei pelo mundo buscando-o em cada instante da minha vida. O que me faz mal é meu. Minha é a dor que me perpassa no presente. Minha, a dor das almas ao meu lado. Meu tudo aquilo que não é paz, gáudio, belo, amável, sereno... Assim, pelos anos que me restam, sedenta de dores, de angústias, de desesperos, de separações, de exílios, de abandonos, de dilacerações... de tudo aquilo que é Ele, e Ele é a dor. Assim, enxugarei a água da tribulação em muitos corações vizinhos e, pela comunhão com meu esposo onipotente, nos corações distantes. Passarei como fogo que consome tudo o que deve cair e deixa em pé somente a Verdade. Mas é preciso ser como ele, Ser ele no momento presente da vida”.
Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
Fonte: Zenit.
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