Foi uma conversa difícil, dois homens de meia idade, cansados no final do expediente, fazendo aquilo que a nossa geração, a nossa criação, ou mesmo o nosso temperamento, tudo isso tornou ainda mais difícil. Abrir o coração. O meu querido amigo desabafava a respeito do seu filho, que, aos vinte e poucos anos, não somente se declarara homossexual como, de inopino, o convidara a comparecer ao seu casamento homoafetivo.
Eis o desabafo do meu amigo:
“Eu sempre soube”, disse-me ele. “Este não é o problema. O problema é que eu seja convidado a participar da vida sexual do meu filho desse jeito. Que posso dizer? Também tenho limites humanos. Ele sabe bem do meu temperamento: não se trata de homofobia. De modo algum. Tenho mais dois filhos, um outro rapaz e uma moça. Sempre acolhi em minha casa todos os que eles traziam, amigos, namorados, sei lá. Quem chegou com um filho meu em minha casa foi acolhido; mas eu nunca quis saber que tipo de relacionamento íntimo havia ali. Não que não tenhamos aconselhado, eu e a minha esposa, todos aqueles conselhos que se dão aos filhos adolescentes; respeite o outro, respeite a si mesmo, cuidado com todas as consequências do sexo. Mas eles sabem que eu sempre pedi, quando eles eram menores, que na minha casa houvesse respeito recíproco, e que as respectivas vidas sexuais deles, se eles optassem por tê-las, fossem vividas em outros lugares. E eles muitas vezes, reconheço, respeitaram isto.
Mas há uma diferença, que eles não querem admitir, entre saber, acolher, respeitar e ser chamado a
participar. Não quero participar, e nem a minha esposa me compreende. Não entendo porque todos hoje acham que um pai é um grosseirão malvado se não quiser participar assim da expressão genital da sexualidade dos filhos. Mesmo os professores, a TV, até eventualmente alguns padres que conheço me criticam. O que posso fazer além disso? Sentar com a minha filha para compartilhar as vicissitudes do ciclo menstrual dela? Gostaria de ser poupado disto, mas não consigo: sou a todo momento obrigado a participar. Vejo os jovens de ambos os sexos discutindo entre si os ciclos de suas amigas como se isto fosse alguma coisa muito natural, e confesso que isto não me faz feliz: não queria ser obrigado a tomar conhecimento do ciclo feminino de ninguém.
A sorte é que os jovens pensam que os velhos são meio surdos a toda conversa que não é dirigida pessoal e diretamente a eles. Que bom que pensem assim. Então apenas recebo e sirvo com alegria aquela multidão de adolescentes que invade minha casa nos finais de semana, alegro-me com eles, ouvindo suas conversas, respondendo com obviedades vagas (que eles tampouco escutam) e guardando minhas próprias opiniões e sentimentos para mim. Se me sinto responsável pela educação sexual deles? Acho que eles já não precisam, nem querem; dado o que sabem de mim, já não confiariam em muito do que eu dissesse. São, aliás, muito mais bem informados do que eu, ou pelo menos pensam que são.
Eles, quer dizer, meus filhos e seus amigos, creem num certo 'sexo seguro', e se sentem maduros e responsáveis por manter a sua sexualidade dentro dos métodos anticoncepcionais e preservativos, e limitada a poucos parceiros, por quem, acreditam, sentem a maior parte do tempo um afeto honesto, e '
infinito enquanto dura'. Consideram-se justificados perante Deus e os homens por viverem assim. Minha esposa trata-me com a condescendência de quem tem por perto um ser de outra era, incapaz de adaptação, e confunde as minhas dificuldades e limites com o que ela julga ser uma 'dureza de coração' da minha parte. Não é. É somente a minha necessidade de manter a minha própria lucidez no meio desse turbilhão.
Sou quem sou, eles são quem são. Não deveria ser simples assim? Não quero mudá-los, mas
eles querem mudar-me. Aceito-os sem fazer perguntas, com toda sinceridade, amo-os sem limitações. Mas não quero expor a minha intimidade; além disso, simplesmente não consigo aceitar com naturalidade a exposição aberta da sexualidade dos meus filhos e de seus amigos. Não, eles já não são crianças, são adolescentes ou jovens adultos. Nenhum deles precisa da minha opinião ou do meu conselho para tomar suas decisões. Tampouco precisam da minha participação ou do meu consentimento para colocá-las em prática. Por que têm uma necessidade tão profunda de me expor sua sexualidade, ou melhor, compartilhar comigo a genitalidade de seus relacionamentos? Quem foi o psicólogo de araque que disse que isto era necessário?
Então escuto, permaneço calado, amo-os, sirvo-os, pago suas despesas, sorrio com sinceridade e amo com muita sinceridade cada amigo, namorado,
peguete, colega, sei lá o que, que eles me apresentam. Jamais os tratei sem toda a delicadeza e afeto com que trato os meus próprios filhos; esforço-me mesmo para vê-los como filhos também. Mas por que eu devo ser obrigado a passar pelo ritual de ouvir da boca dos meus filhos, a cada vez que me apresentam alguém, qual é a natureza da relação sexual que eles têm com aquela pessoa? Não basta que eu saiba em silêncio, não basta que eles
saibam que eu sei, não basta que eu
acolha todas estas pessoas, ainda devo ser expressamente informado com todas as letras, e manifestar meu consentimento alegre e entusiasmado? E ainda devo ouvir da minha esposa e até do meu pároco que se eu não me comportar assim é porque eu sou um homem ultrapassado, de coração duro e incompreensivo com os filhos, incapaz de '
respeitar as escolhas' que eles fazem? Não é muito o que peço, ora.
Respeitem o meu silêncio, o meu pudor e o espaço do nosso lar de família, tragam quem quiserem e vivam o que quiserem; peçam-me que receba e acolha qualquer um, peçam-me que não faça perguntas ou comentários descabidos, e tudo isto está muito bem. Consigo até perceber o quanto constrangedor é ouvir piadas grosseiras, de amigos e parentes, sobre a sexualidade dos outros, muitas vezes partindo de quem sabe exatamente quais são as opções de meu filho. Já tive oportunidade de brigar com velhos amigos, e até de romper amizades, por censurá-lo abertamente ao ouvir de sua boca, numa conversa de boteco, mais uma piada imbecil sobre homossexuais.
Mas pedir-me que forneça os espaços para que vivam a sua sexualidade aqui, de modo a tornar inevitável que eu de algum modo participe dela, dando o meu consentimento expresso e o meu apoio logístico para que ela aconteça, isto me faz ter vontade de sumir devagarzinho, de evaporar e ressurgir no planeta marte. Que faço? Confesso a você que não sei. Atualmente, tenho rezado o terço igual a uma beata velha. Não posso negar que sinto um pouco de vergonha de admitir isto, parece fraqueza, e é de fato. E
a minha herança religiosa é uma das coisas que meus filhos não aceitam. E por isso rezo em silêncio, muitas vezes no carro, muitas vezes no trabalho. Quase em segredo, quase como uma atividade
bandida. Rezo por mim, rezo por eles. Sei que eles não estão excluídos do amor de Deus, embora se irritem quando eu falo do assunto. Deus os ama, e eu também. Mas tudo parece ser tão
banal!”
O que dizer diante de um desabafo assim?
O que dizer diante de um desabafo assim? Ouvi calado o meu colega, e nem sequer derramamos lágrimas juntos: confesso que também tenho um pudor quanto a certas exibições emocionais públicas. Quando o interpelei se, no fundo, ele não estava sendo preconceituoso com a declaração de seu filho e a sua negativa de comparecer ao “casamento” dele com seu companheiro, já que não hesitaria em comparecer ao casamento de sua filha com algum marmanjo, ele me respondeu: “Que se casem, ora. Posso negar que isto me incomoda? Só Deus sabe o quanto sonhei ver as qualidades daquele meu filho renascerem nos filhos dele, para que eu tivesse, em meus netinhos, a infância dele de volta. E que estes netinhos crescessem num lar similar ao que ele próprio teve em sua infância. Estarei errado em ficar triste porque este sonho que eu tinha jamais se realizará? Sim, eu sei que existe a adoção por duplas homossexuais, mas isto é apenas um
jeitinho; trata-se de suprir uma infecundidade essencial, não de fazer frutificar uma infecundidade acidental. Pode parecer bobagem, mas eu um dia quis que as coisas fossem diferentes. E o pior é que agora todos querem que eu me sinta
culpado por ter sonhado com isto. E que eu afirme publicamente que a minha dor real não é real!
E há uma outra coisa; creio que o relacionamento matrimonial tradicionalmente significa a declaração da própria
incompletude, e a abertura do coração para o
diferente, o que
não sou eu: do jeito que eu acredito, há no matrimônio um
compartilhamento de uma parte de mim com uma parte do outro que, se complementando, geram uma
terceira pessoa com a
graça de Deus. Como posso participar de um ato em que publicamente é declarado, por meios enviesados, que
nada disso faz parte do meu próprio matrimônio, já que duas pessoas que jamais conhecerão nada disso estão recebendo do Estado exatamente a mesma designação que um dia eu recebi com a minha esposa?
Tudo bem que eles optem por viver assim, e tudo bem que eu aceite, como aceito, conviver com ambos acolhendo aquele amigo que meu filho escolheu, tratando-o como membro da minha família e como um filho também. Mas equiparar este relacionamento ao
meu próprio matrimônio, como se fossem a mesma coisa, significa para mim mudar o que
sou, o que penso de mim mesmo, da minha esposa, dos meus filhos e do modo como meu matrimônio se relaciona com Deus.
Se sou obrigado a expressar publicamente que já não é nem mesmo permitido ver diferença entre o que um dia tive e o que eles agora querem ter, então sou eu quem já não pode mais ser quem é, e o discurso de pluralismo que todos me falam é simplesmente falso: neste tal 'mundo plural' não haveria espaço para mim, nem para o Deus em que creio.
Este Deus que os ama muito. Mas que eu não posso simplesmente acomodar como um
passageiro de segunda classe em meu próprio matrimônio sem negar a mim mesmo. Como ir a tal ato sem que tudo isto me passe pela mente, fazendo-me sentir um desconforto profundo?”
Não é fácil para ninguém; esta é a única coisa que me ocorre dizer ao meu amigo. E prometer a ele as minhas pobres orações.
Fonte: Zenit.