Fazer opções pastorais valentes: os 180 cardeais, bispos, auditores e especialistas do sínodo extraordinário sobre a família estão de acordo com este ponto. E a "relatio post disceptationem", lida nesta segunda-feira pelo cardeal Peter Erdö, relator geral, reafirma a fidelidade da Igreja ao evangelho, mas sem que falte uma atenção particular às fragilidades familiares.
Ao chegar a esta fase, o sínodo se concentra na misericórdia e na urgência atual de novos caminhos pastorais, porque as dificuldades das famílias "têm sido mais 'sofridas' do que escolhidas em plena liberdade".
O debate ainda está em processo: a relatio é uma síntese das discussões das congregações gerais na primeira semana do encontro. O cardeal Erdö deu a entender que, para as decisões mais concretas, é necessário esperar até o dia 19 de outubro, depois das discussões dos “circuli minores”, ou círculos menores, que começaram na sexta-feira à tarde e continuarão durante toda esta semana. Portanto, não se pode esperar um retumbante "sim" ou "não" à possibilidade de acesso aos sacramentos para pessoas em situações anômalas, como a dos divorciados recasados.
“Não é sábio pensar em soluções únicas ou inspiradas na lógica do tudo ou nada”, disse Erdö. Sobre este assunto, existem duas linhas: “Alguns argumentaram a favor da disciplina atual, em virtude do seu fundamento teológico; outros se expressaram em prol de uma abertura maior às condições particulares, às situações que não podem ser desfeitas sem que se determinem novas injustiças e sofrimentos”.
A “novidade” é uma proposta, feita por alguns, de que "o eventual acesso aos sacramentos seja precedido de um caminho penitencial, sob a responsabilidade do bispo diocesano, e com um compromisso claro em favor dos filhos". Para Erdö, seria uma possibilidade não generalizada, fruto de um discernimento caso a caso, feito gradualmente, distinguindo-se entre o estado de pecado, o estado de graça e as circunstâncias atenuantes.
Os critérios dos padres sinodais para trabalhar estas questões delicadas são três: escuta, olhar fixo em Cristo e discernimento "à luz do Senhor Jesus". A Igreja, "casa paterna" e "tocha em meio às pessoas", tem o trabalho de acompanhar com paciência, delicadeza, atenção e cuidado os seus filhos mais frágeis, "marcados pelo amor ferido e perdido".
Reconhece-se assim a necessidade de "uma palavra de esperança e de sentido" para estas pessoas, acolhendo-as com a sua existência concreta, sabendo-se "sustentar a busca, alentar o desejo de Deus e a vontade de fazer parte da Igreja plenamente, inclusive por parte de quem experimentou o fracasso ou está nas situações mais desesperadas".
Nesta linha, pede-se um discernimento espiritual "sobre as convivências, os casamentos civis e os divorciados recasados", porque "compete à Igreja reconhecer estas ‘sementes do Verbo’ dispersas para além dos seus confins visíveis e sacramentais".
"A Igreja se volta com respeito àqueles que participam da sua vida de modo incompleto e imperfeito, apreciando mais os valores positivos que eles guardam do que os seus limites e faltas".
Além de "curar as feridas" dos divorciados recasados, a Igreja é chamada também a acolher as pessoas homossexuais que "têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã". A questão homossexual "nos interpela a uma reflexão séria sobre como elaborar caminhos realistas de crescimento afetivo e de maturidade humana e evangélica, integrando a dimensão sexual". Não fica nenhuma dúvida no ar quanto ao fato de que "as uniões entre pessoas do mesmo sexo não podem ser equiparadas ao matrimônio entre um homem e uma mulher". Também "não é aceitável que se queiram exercer pressões sobre a atitude dos pastores ou que organismos internacionais condicionem ajudas financeiras à adoção de normas inspiradas pela ideologia de gênero". A Igreja, afirma a relatio, presta atenção especial às crianças que vivem com casais do mesmo sexo, reiterando que, em primeiro lugar, devem estar sempre as exigências e os direitos dos pequenos.
E pensando sempre nos pequenos, os padres sinodais invocam no documento o "respeito e amor" por cada família ferida, em especial por quem sofreu injustamente o abandono do cônjuge, evitando "atitudes discriminatórias" para com as crianças. "É indispensável encarar de maneira leal e construtiva as consequências da separação e do divórcio; os filhos não podem se tornar 'objetos' de briga; devem-se buscar as melhores formas para que eles possam superar o trauma da divisão familiar e crescer do modo mais sereno possível".
Os participantes do sínodo enfatizam a necessidade de uma "preparação adequada para o matrimônio cristão", que não é só "uma tradição cultural ou uma exigência social", mas "uma decisão vocacional". Não deve haver uma "complicação" dos ciclos de formação, mas um "aprofundamento", indo-se além de orientações gerais. Neste sentido, deve-se renovar também "a formação dos presbíteros" através de um envolvimento maior das famílias, "privilegiando o seu testemunho". Do mesmo modo, os casais devem ser acompanhados mesmo depois da celebração do matrimônio: um período "vital e delicado", cheio de alegrias, mas também de desafios que a Igreja deve ajudar os cônjuges a enfrentar.
Abordou-se também a simplificação dos procedimentos de reconhecimento da nulidade matrimonial. Entre as propostas, foram apontadas a superação da necessidade da dupla sentença de conformidade, a possibilidade de se determinar uma via administrativa sob a responsabilidade do bispo diocesano e um processo sumário a se realizar nos casos de nulidade notória. Também foi proposta a possibilidade de se dar relevância à fé dos noivos na avaliação da validade ou não do sacramento do matrimônio. Deve-se destacar que, em todos os casos, a questão é estabelecer a verdade sobre a validade do vínculo. Também se pede o aumento da responsabilidade do bispo diocesano, que, na sua diocese, poderia nomear um sacerdote devidamente preparado para aconselhar gratuitamente as partes sobre a validade do matrimônio.
Quanto aos leigos, o sínodo incentiva o seu compromisso no âmbito cultural e sócio-político para que fatores externos não obstaculizem a "autêntica vida familiar, determinando discriminações, pobreza, exclusões e violência". Não por acaso, o tema escolhido pelo papa para o próximo sínodo ordinário, de 4 a 25 de outubro de 2015, é "a vocação e a missão da família na Igreja no mundo contemporâneo". O tema foi anunciado nesta segunda-feira pelo cardeal Lorenzo Baldisseri, secretário geral do sínodo, na abertura dos trabalhos e em presença do papa Francisco.
Fonte: Zenit.
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