A inesgotável cena de Natal oferece mais uma vez a riqueza do Presépio, feito de pobreza e simplicidade, à nossa geração. A criatividade com que estas cenas são expostas é sinal de sua profundidade, que tem o tamanho da eternidade. Por mais que contemplemos Jesus Maria e José, ou tentemos nos infiltrar na cena, junto com pastores, magos ou animais, sempre nos ultrapassará e mostrará sua riqueza, cuja origem está no Céu. Hoje queremos interrogar à Sagrada Família o que tem de diferente para oferecer à nossa geração, pois há certamente algo de muito original em seu modo de viver.
Parece-me encontrar a primeira resposta justamente na iniciativa de sua constituição. Não foram a carne e o sangue ou, quem sabe, os maravilhosos afetos humanos que fizeram acontecer esta família. José, chamado de homem justo, formado certamente na escola de fidelidade às mais legítimas tradições de sua ascendência davídica, só queria servir a Deus e ser fiel a ele. Homem da escuta e da atenção às inspirações que lhe vieram do alto, semelhante ao José do Egito e dos sonhos do Antigo Testamento, só agia conduzido pela vontade de Deus, discernida no que a Escritura chama de "sonhos". Maria, por sua vez, parece uma jovem formada na estrita observância da esperança messiânica herdada de seus pais. Dá para ver o conteúdo bíblico de excelente teor que se manifesta em seu canto de louvor, o Magnificat. O filho daquela família de Nazaré veio do Alto, do Pai Altíssimo, gerado e não criado, da mesma substância do Pai. Maria e José foram chamados, convocados a uma missão correspondente à expectativa de séculos. Fazem parte de um plano que tem o nome de salvação, expressão do amor eterno de Deus pela humanidade. Família cujo modelo se encontra no alto!
O dia a dia da família de Nazaré era feito de amor, trabalho e oração, tudo vivido com muita simplicidade. O valor das pequenas coisas, uma criança diferente que aprende ao colo da mãe as lições da Escritura, um pai de família trabalhador, conhecido em Nazaré pelos serviços que realiza, nada de extraordinário e esta é a novidade, num mundo que até hoje teima em complicar as coisas. Da Família de Nazaré nascem as lições do quotidiano, no qual as surpresas ficam por conta da beleza da alma das pessoas nele envolvidas. Sim, original é o fato da importância das pessoas e não do que elas eventualmente possam fazer ou produzir. Família parecida com as nossas famílias!
Onde quer chegar esta família? Ela foi pensada como presente para o mundo, não existe para si. Um dia o Filho deve partir. Sabiam que ele era diferente de todos, mesmo se conhecido apenas como "Filho do Carpinteiro", o José que sai muito cedo de cena. Sua família maior atrai Jesus irresistivelmente, pois é conduzido pelo Espírito Santo. Passará pelas estradas da Galileia e da Judeia anunciando a boa nova do Reino de Deus a todos, realizando sinais e prodígios que atraem as multidões. Como Jesus sabia o que existe no coração humano, teve que escolher discípulos, homens simples a serem formados até adquirirem a têmpera do martírio. Maria praticamente desaparece durante os anos da vida pública. Depois de se revelar discípula fiel em Caná, vai comparecer anos mais tarde, Mãe Desolada aos pés da Cruz, para adotar a humanidade representada por João, ainda que fragilizada pelo mistério do pecado. É uma família feita para o mundo e para a doação completa. Nada é guardado ou acumulado, tudo entregue em alegre entrega, para fazer o bem. Família destinada a servir e a se doar pelo Reino de Deus!
Apenas algumas das inúmeras lições regadas de eternidade. E nossas famílias podem aprender muito. Os casais que constituem as famílias de nosso tempo podem aproveitar a graça do Natal para recomeçarem a falar de vocação, chamado de Deus, filhos vistos do alto por Deus, que tem a ver com eles! É hora de voltar a pensar com os pensamentos de Deus! Sabemos muito bem o quanto nos cansamos de correr em círculo vicioso, em torno de nós mesmos. O egoísmo e a vaidade têm feito e ainda farão muito mal. É tempo de inverter a rota! Nossas famílias podem ser diferentes, originais!
Segunda lição é olhar ao nosso redor. Os dias de Natal mostraram que os sentimentos e afetos mais simples foram os que mais agradaram as pessoas. Vi famílias unidas, saboreando refeições cheias de sentido, vi abraços e sorrisos espontâneos tornando-se o melhor presente a ser partilhado. É impressionante a sede de comunhão existente das pessoas. Se uma simples mensagem eletrônica já serve para encher o coração de muita gente, quanto mais o encontro pessoal desfrutado com alegria!
A passagem de ano traz consigo muitas passagens de filhos e filhas, cujo mundo se amplia, com pais aprendendo que não os geraram para si, mas para Deus e para o bem da própria sociedade. A família só se realiza quanto educa no amor e para o amor. Ela se descobre aberta e servidora, livre na capacidade de se doar! Ela aprende a perder para receber cem vezes mais!
A família de nosso tempo não está isenta de crises e dificuldades. José, Maria e o Menino estão aí para dizer o quanto tiveram que procurar, perguntar, até fugir, enfermidades, crises de idade, isolamentos, enfim, a dinâmica mais comum da existência. E souberam ser fiéis e lúcidos diante de todos os desafios. Foram tão comuns que se fazem extraordinários!
O Natal é feliz por si mesmo, porque é o mistério do amor eterno que entra na história humana, assumindo a carne humana. Olhar de novo para os detalhes do Natal é experiência única e confortadora para todas as famílias. Do Presépio transbordam novas lições a cada visita. O Natal que celebramos nestes dias seja a luz para que todos os dias do ano novo sejam também felizes e santos. Peçamos com a Igreja: Ó Deus de bondade, que nos destes a Sagrada Família como exemplo, concedei-nos imitar em nossos lares as suas virtudes, para que, unidos pelos laços do amor, possamos chegar um dia às alegrias da vossa casa. Amém!
Dom Alberto Taveira, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
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