Nos últimos dias, manifestações multitudinárias pelas ruas de várias cidades do país chamaram a atenção de toda a sociedade. Líderes autênticos ou forjados, bandeiras que começam no preço das passagens dos coletivos, passam pelos gastos com a construção de estádios, chegam à chaga da corrupção e da impunidade e incluem o justo reclamo por verbas para a educação e a saúde, um leque aberto e muito complexo. Busca-se entender o que elas significam, pois aparentemente tudo andava bem e os detentores do poder não cessam de defender os ganhos econômicos e sociais. Não dá para fazer ouvido de mercador diante de tantos e insistentes gritos!
De fato, não se trata apenas de um país, mas de transformações globais e radicais, como bem identificou a Quinta Conferência do Episcopado latino-americano e caribenho: "Vivemos uma mudança de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século que excluem Deus de seu horizonte, falsificam o conceito da realidade e só podem terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. Surge hoje, com grande força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço, dando um papel primordial à imaginação. Os fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos estão na base da profunda vivência do tempo, que se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções de inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos, à criação de novos e, muitas vezes, arbitrários direitos individuais, aos problemas da sexualidade, da família, das enfermidades e da morte" (Documento de Aparecida, 44).
Cabe ao cristão participar da vida social e política, compartilhar esperanças, abraçar e semear valores consistentes, dialogar com as diversas forças do tecido social, aprender com quem pensa diferente e oferecer com clareza e maturidade o que lhe é próprio. E aqui nasce uma pergunta crucial sobre o que é próprio do ser cristão diante dos desafios do tempo presente, que nada tem de cristandade dominante. Ao contrário, este é um tempo de indiferentismo, relativismo e de ateísmo que se espalha.
Com os primeiros cristãos, podemos aprender muito para responder a tal pergunta. No ambiente desafiador do Império Romano, alguns dos discípulos de Jesus chegaram a Antioquia e começaram a pregar também aos gregos, anunciando-lhes a Boa-Nova do Senhor Jesus, na qual muitos acreditaram e se converteram. Então enviaram Barnabé a Antioquia e uma grande multidão aderiu ao Senhor. Barnabé partiu para Tarso, à procura de Saulo e o levou a Antioquia. Passaram um ano inteiro trabalhando juntos naquela Igreja, e instruíram uma numerosa multidão. Em Antioquia, os discípulos foram, pela primeira vez, chamados com o nome de “cristãos” (Cf. At 11, 19-30). Em Atenas, "de pé, no meio do Areópago, Paulo tomou a palavra: “Atenienses, em tudo eu vejo que sois extremamente religiosos. Com efeito, observando, ao passar, as vossas imagens sagradas, encontrei até um altar com esta inscrição: ‘A um deus desconhecido’. Pois bem, aquilo que adorais sem conhecer, eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mão humana" (At 17, 22-24). Num ambiente pagão, os seguidores do "caminho" (Cf. At 9,2), malgrado perseguições e incompreensões, espalharam a Boa-Nova e são muitas outras as missões empreendidas.
De lá para cá, esta é a nossa época, é a nossa vez! Nosso tempo é o melhor que existe para empreender a mesma aventura, sem medo! Trata-se de ser coerentes e fiéis a Jesus Cristo (Cf. Lc 9, 23-24). Renunciar a si mesmos, tomar a Cruz e seguir! Renunciar é deixar de lado o apego egoísta aos próprios interesses e a tudo o que é supérfluo, olhar ao redor e ver o bem comum. Cruz, instrumento de salvação, antes de ser caminho de dor é opção pelo amor, o mais importante no Sacrifício de Cristo. Seguimento é percorrer os mesmos passos do Senhor, com a sabedoria para enxergar com lucidez as novas situações que se apresentam.
Ao analisar os fatos e decidir o posicionamento a ser tomado, passa na frente a Verdade, que tem nome ("Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida" - Jo 14,6). No diálogo com as pessoas, não vale o medo de viver de acordo como Evangelho, pois cada cristão autêntico há de relacionar-se com todos, com a qualidade do amor que recebeu de Jesus Cristo. A participação nos diversos grupos da sociedade, para quem quer ser sal, luz e fermento, faz a diferença de forma positiva, com a escuta sincera das razões das pessoas, sejam quais forem as situações em que se encontrem. Suas mãos e sua "ficha" hão de se manter limpas, mesmo com as eventuais vantagens que possam ser oferecidas por um mundo corrompido. Cabe-lhe sempre a iniciativa e a criatividade na busca de soluções para os problemas sociais. Sua marca há de ser a alegria, fruto da ação do Espírito Santo que conduz a Igreja, a quem pedimos, tornando-nos todos jovens, unidos à Jornada Mundial da Juventude: "Ó Espírito Santo, Amor do Pai e do Filho, com o esplendor da tua Verdade e com o fogo do teu Amor, envia tua Luz sobre todos os jovens para que, impulsionados pela Jornada Mundial da Juventude, levem aos quatro cantos do mundo a fé, a esperança e a caridade, tornando-se grandes construtores da cultura da vida e da paz e os protagonistas de um mundo novo".
Dom Alberto Taveira Corrêa, arcebispo de Belém do Pará, reflete sobre as manifestações no Brasil
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