segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013
A dor, o isolamento e a confiança em Deus
A fé, a solidão e o sofrimento foram alguns dos temas abordados pelo cardeal Gianfranco Ravasi no quarto dia de exercícios espirituais do papa Bento XVI e da cúria romana.
Nas primeiras meditações, o presidente do Conselho Pontifício para a Cultura se concentrou em particular na realidade do Deus que se revela. Ao avançarem os dias de retiro, o cardeal passou a refletir na resposta humana ao chamado de Deus, cuja grandeza também consiste em "nos deixar livres para abraçá-lo ou para nos afastarmos dele".
O Salmo que representa o crente, neste sentido, é o 131, ligado à "espiritualidade da infância", disse Ravasi. Este salmo testemunha que "a verdadeira confiança em Deus não é uma adesão cega", mas, sendo livre, é uma "adesão total".
Um bom exemplo é a experiência de Abraão, que, em nome da "pura fé total", sacrifica o filho Isaac para vê-lo depois restituído como "o filho da promessa".
A fé da infância, em todo caso, significa, acima de tudo, viver os ensinamentos de Jesus, que "explicitamente nos convida a ser como as criancinhas para entrar no reino dos céus".
A natureza da criança a faz confiar espontaneamente no adulto, no pai. Dotada de visão "simbólica" e não "analítica" da realidade, a criança é capaz de intuir as verdades que se referem ao "essencial". Como reconhecia Georges Bernanos, a infância pode ser recuperada somente "através da santidade".
Exemplares, neste sentido, são as orações de dois dos grandes conversos dos últimos dois séculos. Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) imagina que "depois de uma longa noite raiará a manhã" e o reino de Deus "amanhecerá com um parto doloroso".
Por sua vez, o beato John Henry Newman, a bordo de um navio durante uma tempestade, compôs esta oração: "Guiai-me, Luz gentil, em meio às trevas, guiai-me. Escura é a noite e distante a minha casa; guiai-me".
Na meditação seguinte, Ravasi abordou o sofrimento humano diante de Deus. A dor, salientou o biblista, não é apenas uma realidade "fisiológica", mas também "existencial, sapiencial, filosófica, psicológica e teológica". A experiência da dor é sempre "radical e fundamental".
O Salmo 38 fala da vaidade, não no sentido ascético da palavra, como no Eclesiastes, mas no sentido de vazio. O salmista fala da fragilidade do homem, comparável a um "sopro". Seus lábios gritam: "Revelai-me, Senhor, o meu fim, a medida dos meus dias, e saberei o quanto a minha vida é breve" (Sl 38). É uma experiência que reflete o desespero de Jó (cfr. Jó 10).
Provocações enormes, estas últimas, para a sociedade de hoje, com seu gosto pelo efêmero e sua tendência a "mostrar apenas o que é perfeito por fora". Há, em última análise, "uma espécie de narcose que elimina todas as grandes questões".
A televisão, por exemplo, deste ponto de vista, nos informa sobre muitas coisas, mas não sabe nos indicar o caminho, especialmente quando a se vida revela frágil e miserável, observa Ravasi.
Em Jó, porém, o mal também tem uma função catártica, purificadora. Quem sofre pode descobrir o sentido das próprias limitações; sente mais necessidade de afeto; descobre uma tensão que o empurra para a transcendência. O senso do limite ajuda a "superar a superficialidade", afirma o cardeal, como conclusão da segunda meditação.
Paralela à dimensão da dor, temos a do isolamento, retratada por Ravasi na última meditação de ontem.
Existe o isolamento da solidão, que é típico das grandes cidades de hoje, cheias de pessoas que esperam “o ressoar de um telefone que nunca toca”. Não menos frequente, no entanto, é o isolamento causado pela calúnia. "Às vezes, e infelizmente isso também acontece no interior do nosso mundo, é impressionante ver a maldade com que se quer destruir o outro".
Um caso extremo de isolamento provocado pela calúnia é o "bullying on-line", que leva muitos jovens, sentindo-se ridicularizados por razões triviais, a preferirem a morte.
O mal é quase sempre provocado pelo homem, embora muito facilmente o homem o atribua a Deus. Ravasi volta, neste momento, ao drama de Jó, que tem de aceitar de Deus toda a dor mais difícil e incompreensível.
Em Jesus Cristo, no entanto, Deus assumiu todo o fardo do sofrimento humano: o medo, a traição, o abandono, o silêncio de Deus, o sofrimento físico, a morte. "Deus, em Cristo, não nos protege de todo o sofrimento, mas nos dá a força e nos livra em todo sofrimento, ficando conosco", explicou o cardeal, resumindo o espírito das três meditações anteriores.
Fonte: Zenit.
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