Ultimamente, tenho ficado impressionada com uma certa atitude conhecida por alguns como “teoria” ou mesmo “teologia retributiva” no relacionamento com Deus, também entre os católicos. A cada pregação, nos mais diversos locais do Brasil – nos outros países não sinto tão forte este fenômeno – alguém apresenta, de uma forma ou de outra, a seguinte pergunta: “Mas porque aconteceu isso comigo se eu procuro fazer tudo o que Deus quer?” e, a seguir, descreve como vai à missa e reza o terço diariamente, como socorre os pobres, como vai regularmente às reuniões da paróquia, como se confessa uma vez por mês, etc.
Outros, que enfrentam, como a quase totalidade dos brasileiros, desafios financeiros, colocam as coisas mais claramente: “Mas, porque é que eu estou com dificuldades se eu sou fiel ao dízimo todos os meses? A Bíblia não promete que se eu for fiel ao tributo do templo Deus vai ser fiel a mim?” Há ainda aqueles que, servindo a Deus com alegria e fidelidade na paróquia, grupos, encontros, comunidades, espantam-se e sentem-se inseguros quando morre um parente, a filha solteira engravida, o filho entra na droga, o cônjuge adultera, os familiares abandonam a Igreja: “Mas eu cuidei das coisas de Deus confiando que ele cuidaria das minhas! Como é que isso pode ter acontecido?” Ao grupo de decepcionados com as “atitudes” de Deus, somam-se os que exclamam, ressentidos: “Mas eu entreguei toda a minha vida a Deus! Consagrei-me a Ele! Por que Ele não me liberta deste pecado? Por que ainda tenho este vício? Por que ainda convivo com esta fobia? Por que continuo deprimido? O que me falta ainda dar a Deus? Você acha que é minha pouca fé?”
Cada vez que ouço algo parecido me vem uma lembrança e uma perplexidade. A lembrança é a de Maria, aos pés da cruz de Jesus, sustentada pela caridade que a une ao Filho, pela fé de que Deus é sempre amor e pela esperança da ressurreição que Ele prometera. A perplexidade refere-se ao tipo de formação que talvez alguns tenham recebido. Terá ela sido verdadeiramente católica, ou traz resquícios da tal teologia retributiva que reduz nosso relacionamento com Deus ao “dai-e-dar-se-vos-á”, típico de algumas visões não católicas? Será que estamos ensinando que tudo o que damos a Deus e o que “fazemos por Ele” tem como base essencial a gratuidade do amor? Será que estamos ensinando que o amor é, por essência, gratuito e que, ao nos entregarmos a Deus, ao servi-Lo, ao devolver o tributo, ao nos consagrarmos não temos nenhuma garantia de que as coisas vão ser como queremos ou pensamos que seriam? Será que deixamos claro que Deus, longe de ser um investimento de renda fixa, com retorno garantido, é Amor que corre todos os riscos por nós? Será que ensinamos que Deus não dá nenhuma garantia de retorno como nós pensamos que Ele deveria dar?
Ou, talvez, estejamos ensinando – e crendo! – que, se eu der dinheiro à paróquia Deus me dará o dobro; se eu servir à Igreja, Deus me servirá; se eu fizer tudo “certinho” Deus vai fazer com que tudo dê “certo” comigo e com os meus; se eu consagrar minha vida a Deus, tenho garantia de libertação e santidade, em uma negociação infindável de fazer inveja ao título mais promissor do mercado…
Ao olhar a vida dos santos, de Maria e do próprio Jesus, qualquer um ficaria facilmente desencantado com as ideias retributivas que empeçonham a mente de um católico, impedindo-o de ter a mente de Cristo. Tome-se, por exemplo, São Paulo: perseguições, apedrejamentos, naufrágios, falatórios, julgamentos, calúnias, prisões e morte. São Pedro não será muito diferente! Nem Jesus. Nem Maria. Nem Madre Teresa de Calcutá. Nem João Paulo II.
Alguém tem que voltar a ensinar que o amor a Deus, para ser amor, precisa ser absolutamente gratuito, sem nenhuma garantia de retorno. Pelo menos, não na nossa moeda, não na nossa medida. O “dai e dar-se-vos-á”, a “medida boa, cheia, recalcada, transbordante” são um outro câmbio, uma outra moeda, a moeda do céu, que é sempre amor.
Maria Emmir Oquendo Nogueira
Cofundadora da Comunidade Católica Shalom
em “Entrelinhas” da Revista Shalom Maná
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