O Livro de Jó é uma preciosa meditação a respeito da condição humana nesta terra, permeada pela pergunta provocante a respeito do mistério do sofrimento. Uma das constatações feitas pelo personagem, em cujo lugar poderíamos estar todos nós, é a rapidez com que corre o tempo e a fragilidade do dia a dia. “Se me deito, penso: Quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde e me encho de sofrimentos até o anoitecer. Meus dias correm mais rápido do que a lançadeira do tear e se consomem sem esperança” (Jó 7, 4-6). O tempo nos escapa velozmente pelos dedos, pelo que deve ser valorizado e aproveitado adequadamente. Que remédio temos para a correria interna e externa na qual fomos mergulhados? Como dar valor permanente aos frágeis gestos e atitudes que preenchem nosso dia a dia? Como dar sentido novo às agendas de todo tipo que se multiplicam, com os alertas cotidianos para o compromisso que se segue?
Nosso Salvador, Jesus Cristo, entrou nas estruturas humanas e no ritmo de vida da Palestina de seu tempo. Percorreu estradas, lagos e montanhas, encontrou pessoas e se deparou com uma imensa diversidade de situações. Todos foram tocados pela sua presença e ninguém passou em vão ao seu lado. Seu amor redentor consola, reanima, impulsiona. Morto e Ressuscitado, continua presente na Igreja! Basta experimentar o silêncio eloquente do Sacrário. Quantas lágrimas, exclamações, sorrisos e gratidão são desfiados diante de nossos Tabernáculos! Mas vale abrir o Evangelho e verificar como, de forma muito prática, Jesus conseguia trabalhar tanto e estar sempre “inteiro” diante das pessoas, fossem estas as mais pecadoras ou as mais simples, como fez com as crianças.
O Evangelista São Marcos descreve a jornada de Jesus (Cf. Mc 1, 29-39). Deixemos que seja nosso guia, ao acompanharmos o percurso feito pelo Senhor. Pela manhã, vai à Sinagoga, onde liberta um homem do demônio. Traz um “ensinamento novo, e com autoridade”. Em seguida, junto com Tiago e João, é hóspede na casa de Simão e André, onde se achava de cama, com febre, a sogra de Simão. Jesus não perde tempo! Aproxima-se, tomando-a pela mão, levantou-a, a febre a deixou, e ela se pôs a servi-los. Certamente a convivência em torno da mesa terá sido recheada de alegria e gratidão, tempo gasto com os outros! Ao anoitecer, depois do pôr do sol, levavam a Jesus todos os doentes e os que tinham demônios e a cidade inteira se ajuntou à porta da casa. Curava as pessoas e expulsava os demônios. De madrugada, ainda estava bem escuro, Jesus vai a um lugar deserto para rezar. Quando os discípulos o encontram, abre-lhes novos horizontes de missão, noutros lugares, pelas aldeias da redondeza, para proclamar a Boa Nova. Qualquer pessoa pode confrontar o programa de atividades de Jesus com a própria rotina de trabalho. Para reencontrar o equilíbrio necessário, superando a tentação de superficialidade oferecida pela correria, saibamos acolher as propostas do Senhor.
Faz bem estar radicalmente rompido com a maldade e com o pecado. Nenhuma concessão à corrupção à mentira e a iniquidade. Tal objetivo limpa a nossa vista ao começar cada dia, desintoxicando o relacionamento com o próximo. Mesmo quando não temos a missão de expulsar demônios formalmente, exorcizar é enfrentar corajosamente nossas conversões adiadas. Mas também prodigalizar ânimo e consolação, perdão, denúncia do mal. Nasce a alegria em quem se libertou do demônio! E o melhor exorcismo está na boca de quem sabe bendizer!
Na companhia de Jesus e sustentados pela sua graça, o dia não passe sem alguma iniciativa gratuita do bem, de forma especial pelos mais sofredores e marginalizados, como o Senhor fez com a Sogra de Simão. Viver para si envenena nosso coração e nosso tempo! Além disso, nossa conversão a Cristo exige disposição para gastar tempo com os outros. Talvez nossas refeições venham a demorar mais e ser mais humanas, para a elas acrescentar um pouco de conversa e convivência! Basta verificar o quanto nos sentimos bem nos encontros familiares mais longos, ou a refeição com amigos queridos. Não é desperdício de tempo!
O cair da tarde de Jesus foi magnífico, com uma fila de gente machucada pela vida e pelas enfermidades. Todos eram levados a ele e em todos ficava a marca de seu amor. Nossa vida tem também grandes chances de maior equilíbrio e sentido, se crescer nossa sensibilidade pelas necessidades alheias. Ampliar o horizonte para a sociedade e para as possibilidades que nos foram concedidas para fazer o bem! Aqui entram em cena os dons e carismas concedidos a cada cristão. Viver apenas para se enriquecer, ou a busca desenfreada do prazer e dos destaques na sociedade esvazia a alma. O Evangelho suscite em todos nós uma revisão do projeto de vida que orienta nossas opções!
De madrugada, podemos encontrar Jesus em oração! Sem o tempo para Deus, a escuta da Palavra do Senhor, o fecundo silencia, a abertura da alma para as alturas, não é possível ter uma vida equilibrada. Quem vive apenas da herança da formação cristã recebida em tenra idade, ou das orações feitas no passado, gasta depressa os presentes recebidos e se esvazia logo.
Enfim, Jesus nos faz olhar para as aldeias, cidades, metrópoles ou multidões que aguardam nosso zelo missionário. Cristão que se faz discípulo verdadeiro se transforma imediatamente em missionário! Abram-se os horizontes e cada pessoa descubra seu modo de servir no anúncio corajoso do Evangelho. Há muitos tesouros escondidos no coração das pessoas e que podem transformar-se em serviço ao Reino de Deus. Que ninguém se exclua do apelo que vem de Deus!
As respostas para os dilemas da correria ou do sofrimento humano não estão escritas num código de conduta, mas se encontram em alguém, Jesus Cristo! Quem se dispuser a segui-lo, encontrará o sadio equilíbrio para a vida e arregaçará as mangas para servir a Deus e ao próximo. Esta é a chave da realização. Mãos à obra!
Dom Alberto Taveira Corrêa, Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
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