sábado, 14 de julho de 2012
Onde está teu irmão?
Onde está teu irmão? Essa interrogação é central na importante narrativa do Livro do Gênesis, capítulo cinco. Deus perguntava a Caim sobre seu irmão Abel. Caim tinha matado Abel e, ao ser interrogado, cinicamente, respondeu não saber. Essa página remete o povo de Israel a um capítulo fundamental de qualquer antropologia consistente. A narrativa tem escopo educativo que alimenta o sentido da transcendência de toda pessoa humana.
Nos tempos de hoje, essa interrogação de Deus precisa ecoar nas consciências para que sejam banidas a arbitrariedade e a violência, refletidas nas discriminações e no massacre de inocentes. Entre esses absurdos, representa um grave perigo a onda abortista, que não pode ganhar espaço e consideração lícita para que a sociedade contemporânea, por egoísmo e falta de moralidade, trate a vida como produto descartável. Com o objetivo de evitar esse caminho, é preciso redobrada atenção no acompanhamento da movimentação governamental e político-partidária para fazer contraponto às propostas de legalização do aborto, com a determinação de derrubá-las.
Outra situação preocupante, onde cabe a pergunta central para recuperação e configuração de uma antropologia sem selvagerias - “Onde está teu irmão?”, refere-se à população de rua. É preciso sensibilidade cidadã para abominar e impedir as barbáries contra homens e mulheres que vivem nas ruas das cidades, especialmente nas regiões metropolitanas. Nesse sentido, é importante conhecer a realidade desses irmãos e irmãs mais pobres, apoiar projetos sociais sérios de investimento na integridade dessas pessoas e na constituição dos quadros próprios para a vivência de sua cidadania. Trata-se do desenvolvimento de processos que têm lógicas e dinâmicas próprias, em contraposição a qualquer tipo de entendimento que se enquadre na lógica da “limpeza urbana”, do simples esconder para não comprometer a aparência de cidades e bairros.
Como advertência e necessidade de incluir na agenda social de todos, olhando a realidade de nossa inserção e calculando a gravidade de situações, é importante não esquecer os relatos que merecem reflexão e o posicionamento sério de cada um. São casos de homicídio ou tentativas de assassinato, como a que aconteceu em 15 de abril de 2011, com oito moradores de rua no bairro Santa Amélia, vítimas de envenenamento. Pela manhã daquele dia, oito moradores encontraram uma garrafa de pinga na praça onde dormiam e, após beberem, começaram a passar mal. Graças a Deus, não houve vítimas fatais. Alguns meses depois, em outubro, três homens tiveram seus direitos desrespeitados, ao serem levados para um suposto abrigo com a promessa de tratamento contra dependência química. No entanto, foram colocados em cárcere privado para trabalho escravo. Em julho do ano passado, um morador de rua morreu após ter o corpo queimado no bairro Ipiranga, em Belo Horizonte. Um mês depois, em agosto, quatro pessoas não identificadas, em uma caminhonete preta com vidros escuros, dispararam tiros em direção a um grupo de moradores de rua. Entidades que trabalham com direitos humanos e com pessoas em situação de rua são fontes fidedignas desses e de muitos outros relatos.
Essa realidade precisa ser tratada com a consciência iluminada pelo princípio moral que reza o quinto mandamento da Lei de Deus: “Não matarás.” A vida humana é sagrada. A ninguém é lícito destruir um ser humano. O Catecismo da Igreja Católica ensina que esse quinto mandamento proíbe, indicando como gravemente contrários à lei moral, o homicídio direto e voluntário, o aborto direto, bem como a cooperação com ele; a eutanásia direta, que consiste em pôr fim à vida, por ato ou omissão de ação devida para com pessoas deficientes, doentes ou próximas da morte, e o suicídio.
A moralidade advinda da sacralidade da vida faz com que cada um reconheça o dever de zelar pela existência de todos. Nas grandes cidades é expressivo o número de pessoas que vivem nas ruas. Homens e mulheres que requerem cuidado especial, projetos de inclusão, participação e reinserção. Inaceitáveis são a violência e os assassinatos no tratamento dessa grave problemática social. Pelos que vivem nas ruas, por todos, ecoe nas consciências o dever de responder: onde está teu irmão?
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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