Entrevista com o catedrático Juan José García-Noblejas
Por Miriam Díez i Bosch
A acolhida da encíclica «Spe Salvi» entre os filósofos gerou «tristezas e alegrias», «mais desta última, certamente», destaca o professor Juan José García-Noblejas, catedrático de Teoria da Comunicação e de Roteiro na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma.
O professor García-Noblejas concedeu esta entrevista à Zenit em pleno Advento, um momento adequado para refletir sobre a esperança com a segunda encíclica papal.
García-Noblejas (blog em
http://scriptor.org/) é diretor do Seminário Interdisciplinar Permanente e do Congresso bienal de «Poética & Cristianismo», da Pontifícia Universidade da Santa Cruz.
Publicou, entre outros, os seguintes livros: «Poética do texto audiovisual» (1982), «Comunicação e mundos possíveis» (1996, 2004), «Meios de conspiração social» (1998, 2006), «Comunicação manchada» (2000).
– Como foi acolhida a Spe salvi em ambientes filosóficos?
– García-Noblejas: Sendo «performativa», como é a segunda encíclica de Bento XVI, não pode ter deixado indiferente nenhum intelectual que a tenha lido. Em parte imagino e em parte vejo que os ambientes filosóficos – dito seja em poucas palavras – são como os habitantes de Éfeso: todos, antes de encontrar-se com Deus, tinham muitos deuses e «estavam sem esperança, sem Deus». Alguns acolheram com alegria o anúncio como encontro pessoal e real com Deus. Outros, imagino, continuaram tristes, sujos com seus deuses.
Estar alegre significa «posso conseguir o que hei de conseguir», enquanto estar triste significa fundir-se em um «não posso» que depois se justifica de mil maneiras. É verdade que por nós mesmos não podemos nada. Mas a esperança vem com o chegar a conhecer o Deus verdadeiro, e é – mais que uma iniciativa nossa – uma resposta à sua atitude de sair a nosso encontro.
É um assunto pessoal, não só intelectual, que – entre outras coisas – tem a ver com o reconhecer-se e saber-se filho de Deus. Não sei por que, mas ao ler a encíclica, tive quase o tempo todo na imaginação a história do filho pródigo, com o pai correndo ao seu encontro, assim como a lembrança do magnífico quadro de Rembrandt, com essa mão paterna sobre o ombro do filho.
Entre os filósofos que disseram algo sobre a «Spe Salvi», houve tristezas e alegrias. Mais desta última.
Para ser breve, não quero falar em concreto dos tristões que preferiram ficar com seus deusesinhos, e que – como bem diz o Papa – «rejeitam hoje a fé simplesmente porque a vida eterna não lhes parece algo desejável» ou porque preferem uma contra-figura do «paraíso perdido» em forma de «reino do homem» através da ciência e da tecnologia.
Entre os muitos que a receberam com alegria, por destacar só um caso entre centenas, citarei o que o filósofo Jaime Nubiola (Universidade de Navarra) menciona da professora Alejandra Carrasco (Universidade Católica do Chile), fascinada por esta encíclica, pois ilustra graficamente a diferença entre a esperança vulgar e a verdadeira esperança cristã: «A substância da fé, o já estar presente, torna o Evangelho performativo. Não é que eu espere a vida eterna, mas também que Deus está me esperando. Quando duas pessoas se amam e se olham, não se cansam de sustentar o olhar uma na outra. E esse cruzar de olhares muda o sentido de sua vida. Pensei nesta analogia: uma mulher deseja ter um filho, espera ficar grávida e essa esperança a enche de alegria. Mas não é esta a esperança cristã. A esperança cristã é mais como a da mulher que já está grávida. O filho já está nela, é uma realidade presente, que muda necessariamente seu modo de viver. A primeira pode esquecer sua esperança um dia e embebedar-se, mas causa dano a seu filho. Por isso não o faz, ou é muito mais difícil que o faça. Já grávida, esperando um filho, sua vida inteira se transforma».
A encíclica foi muito bem recebida, certamente à margem das críticas habituais de quem erroneamente se empenha em dizer que a Igreja se dedica a anatematizar a modernidade, o progresso ou a democracia.
– A esperança cristã é individualista?
– García-Noblejas: Poderia dizer-se muito acerca da necessária e imprescindível dimensão «social», e não só «individual» que todos nós temos, fazendo parte de nossa própria natureza misteriosa, sem objetivo. Inclusive se poderia dizer que pertencemos ao «reino pessoal» no qual – em uma distância ontológica infinita – estão as três Pessoas divinas. E o próprio das pessoas é relacionar-nos.
Basta advertir que o próprio Bento XVI aceita o desafio de pensar esta pergunta: «...não recaímos talvez no individualismo da salvação?» E responde: «Não. A relação com Deus se estabelece através da comunhão com Jesus, pois única e exclusivamente com nossas forças não a podemos alcançar. Ao contrário, a relação com Jesus é uma relação com Aquele que entregou a si mesmo em resgate por todos nós (cf. 1 Tm 2, 6). Estar em comunhão com Jesus Cristo nos faz participar de seu ser «para todos», faz que este seja nosso modo de ser. Compromete-nos em favor dos demais, mas só estando em comunhão com Ele podemos realmente chegar a ser para os demais, para todos».
E isso tem a ver com o sofrimento.
– E de que maneira o sofrimento se vincula à esperança?
– García-Noblejas: Para fazer justiça aos âmbitos filosóficos contemporâneos, não resta mais remédio que falar do «rosto sofredor do outro», sobre o qual nos fala E.Levinas.
Como bem diz G. Zanotti (Instituto Acton), o cristão encontra Cristo, sua salvação, no olhar de amor ao outro. Este é um ponto que pede atenção, porque muitos cristãos vivem de modo contrário à sua própria fé quando não vêem o outro com amor. E alguns, diante do sofrimento, crêem sinceramente que amam o próximo quando aderem a ideologias ou utopias políticas onde o advento de estruturas temporais implicará um Deus na Terra. Diante disso não nos deve estranhar que Gandhi – sem entender o cristianismo – tenha dito que «o cristianismo lhe parece muito bom, o problema são os cristãos». Não é por acaso que a primeira encíclica de Bento XVI se chamou «Deus caritas est».
Sendo o sofrimento, próprio e alheio, uma situação de aprendizagem da esperança, Bento XVI nos diz com clareza: «convém certamente fazer todo o possível para diminuir o sofrimento», ainda que «o que cura o homem não é o esquivar-se do sofrimento, mas a capacidade de aceitar a tribulação, amadurecer nela e encontrar nela um sentido mediante a união com Cristo, que sofreu com amor infinito». É preciso saber sofrer com os demais e pelos demais: «uma sociedade que não consegue aceitar os que sofrem é uma sociedade cruel e inumana».
– Como se pode comunicar melhor a esperança cristã, o próprio Deus?
– García-Noblejas: Entendo que não seria brincar com as palavras dizer que, em assuntos de comunicação interpessoal e pública, temos de ser «performativos», porque essa mesma comunicação o é. Uma «notícia», recorda o filósofo Robert A. Gahl ao falar da «Spe Salvi» com palavras do novelista Walker Percy, não é mera «informação», mas é algo que muda o mundo para as pessoas, como acontece quando a um náufrago lhe chega a notícia de que foi encontrado e logo chegarão para buscá-lo.
Sem entrar em matizes que não vêm ao caso aqui, entendo que a comunicação da esperança e do próprio Deus tem a ver, em parte, com saber dar razão do mal e de nossas deficiências em um mundo não maniqueísta, mas mostrando aquilo que São Josemaría Escrivá mencionava como tarefa especialmente cristã: a necessidade de afogar o mal em superabundância de bem. Porque, como ele diz, «nas empresas de apostolado, está bem – é um dever – que consideres teus meios terrenos (2 + 2 = 4), mas não te esqueças nunca que deves contar com outra soma: Deus + 2 + 2...».
Bento XVI fala dessa soma ao longo da «Spe salvi».
Fonte: Zenit.