domingo, 13 de março de 2016

Fermento leveda a massa

“Um pouco de fermento leveda a massa toda!” Esta é uma lembrança pertinente do apóstolo Paulo diante de uma confusão estabelecida por divisões acirradas na comunidade dos Gálatas. Os conflitos naquele cenário encontravam justificativa e sustento até mesmo na Lei e nas práticas tradicionais. A comunidade não conseguia encontrar saídas, arquitetar consensos. Diante desse contexto, São Paulo adverte “se vos mordeis e vos devorais uns aos outros” não haverá soluções e reconstruções. No momento atual, não estaria, de alguma maneira, desencadeada essa dinâmica das agressões nos segmentos da sociedade brasileira, particularmente no mundo da política? A imprescindível necessidade de reconfigurar essa esfera no país parece ter caído na dinâmica das “mordidas e voracidades”.

Não se pode simplesmente pensar em construir nova sociedade com a destruição do outro. Essencial e eficaz é exercer a cidadania com o necessário reconhecimento da dignidade humana para, assim, corrigir os erros, reestabelecer a verdade e realinhar processos. Nesse sentido, é oportuno refletir sobre a orientação do apóstolo Paulo aos Gálatas, em busca da superação de descompassos que causam abalos na dinâmica da vida da comunidade. O apóstolo recorre a um dito simples que ajuda a compreender a responsabilidade de cada pessoa no zelo da própria consciência, exercício fundamental para que toda a sociedade trilhe novos caminhos. Ele recorda que “um pouco de fermento leveda a massa toda”. Pensando a respeito da sociedade, isto significa que cada cidadão precisa compreender que a sua própria conduta em diferentes âmbitos, particularmente no exercício profissional, religioso e representativo, tem amplo alcance na esfera coletiva.

“Jogar pedras e esconder a mão” não ajuda a sociedade a se reconstruir.  Os segmentos diversos precisam de orientação para alcançar horizontes mais amplos, palavras com força de agregação que efetivem as mudanças urgentes. Obviamente que há segmentos com responsabilidade maior nessa tarefa de construir a necessária proximidade. Não é pequena, por exemplo, a tarefa do setor religioso e confessional, por suas instituições com força para orientar e agregar, motivar articulações e, assim, estabelecer processos que podem gerar, com maior velocidade, respostas adequadas às crises instauradas.  Certamente, o Brasil carece mais dessa palavra incidente e agregadora, que não está no domínio de “um salvador da pátria”. As regionalidades desse país com dimensões continentais podem muito contribuir a partir de seu tecido cultural e de suas tradições, pois são capazes de inspirar articulações entre a representação política, líderes religiosos, culturais e artísticos, empreendedores e, obviamente, todo o povo.  Essa união é capaz de formatar novos hábitos, agendas e pautas com mais pertinência no enfrentamento de problemas.

Na contramão desse caminho estão as formas de participação política que se reduzem a partidarismos. Ora, as soluções para os muitos problemas não estão apenas nos âmbitos governamentais. Há saídas simples que acabam perdidas por falta de competência, esforço individual, excesso de comodismo e preguiça, estreitamento de horizonte. Situações que encastelam os indivíduos, os grupos e as instituições na mediocridade. Cada cidadão não pode apenas criticar, como se estivesse fora da “massa”. É preciso e determinante se compreender como “fermento” capaz de “levedar toda a massa”. Eis, pois, um extenso e exigente processo de reeducação na cultura brasileira, que exige análises e, sobretudo, a coragem de se fazer algo não simplesmente para si, mas para toda a comunidade.

Sem dispensar segmento algum, é preciso que, especialmente a classe política, em razão de sua representatividade, consiga dialogar e, verdadeiramente, buscar o bem do povo. Para isso, o parlamento, entre outras mudanças necessárias, deve deixar de ser palco de “gladiadores” que lutam por interesses particulares, cartoriais e partidários. De maneira simples, à luz da própria consciência, presidida por princípios éticos e morais, em todas as circunstâncias, os cidadãos todos são convocados a se compreender, nas suas atitudes, nos seus exercícios, como “fermento que leveda a massa”.

Dom Walmor Oliveira de AzevedoO arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma (Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a Doutrina da Fé. Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante os exercícios de 2003 a 2007 e de 2007 a 2011. Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes no Brasil e desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da PUC-Minas. 
Fonte: Domtotal.com.br

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